Ao sepultar a Nova Política, Bolsonaro parece gritar: “Salvem-me, se puderem!”

Nova Política Velha! - UOL Notícias

Charge do Benett (Folha/UOL)

Araré Carvalho
Estadão

A junção da pandemia com as crises econômica e política, autoimpostas pelo presidente, fez com que a “nova política”, do velho político Jair Bolsonaro, viesse abaixo. Alguns dias atrás, o presidente esteve na manifestação em frente ao QG do Exército, onde anunciou que “não iria negociar nada”. Entretanto, logo depois, Bolsonaro se encontrou com um dos líderes do “centrão”, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL). Em seguida, ainda compartilhou uma “live” na qual o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciava um suposto golpe preparado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Paralelamente,  também foram sinalizadas aproximações com o PP, PSD, Republicanos e PL, de Valdemar da Costa Neto. E justamente Lira, Jefferson e Valdemar, figuras da velha política, com “passagem” pelos casos do mensalão e “vítimas” da Operação Lava Jato.

SENSO DE URGÊNCIA – A compra de muitas brigas, principalmente com Rodrigo Maia, a saída de Mandetta e o turbulento pedido de demissão de Moro, tudo isso gerou um certo senso de urgência no chefe do Executivo. E o “não quero negociar nada” desmanchou-se no ar, em função da necessidade de se constituir uma base para impedir um possível processo de impeachment.

Bolsonaro acumula, até a data de hoje, um total de 31 pedidos de impeachment contra ele. A esses pedidos, somam-se a CPI da “Fake News”, que ameaça atingir seus filhos, e o inquérito autorizado pelo ministro Celso de Mello, sobre as denúncias feitas por Moro. Pronto, estão dadas as condições para o presidente esquecer a “nova política” e voltar os olhos para a velha, porém “enxuta”, política.

A investida no centrão também visa dividí-lo para quebrar o poder de Rodrigo Maia, podendo desembocar num possível candidato à presidência da Câmara dos Deputados, apoiado pelo governo, para disputar contra alguma preferência de Maia em fevereiro de 2021.

DISTRIBUIR CARGOS – O presidente da República comprou muitas brigas e queimou rapidamente o seu capital político. A saída de Moro, além de tirar parte da sua base de apoio popular, também deve encarecer a relação com o centrão.

A distribuição de cargos é a condição para a formação dessa base-proteção. Mas, como tudo que deixamos para “comprar” de última hora, sairá mais caro; e pode ser que o presidente “compre”, mas não leve. Parte do centro político não parece estar disposto a embarcar nisso que, para muitos, parece uma furada.

Paulinho da Força (Solidariedade-SP), conhecido pela sua volatilidade ideológica, recusou-se a entrar para a base, ainda que, segundo ele, tenham lhe oferecido a gestão do Porto de Santos.

DEMONIZAÇÃO DOS ACORDOS – Sobre a aproximação com o “centrão”, Bolsonaro afirmou que vai encarar com naturalidade qualquer negociação de cargos na administração pública federal. “Acham que eu tenho controle em tudo o que acontece?”

Realmente, a negociação na política, dentro de limites republicanos, é normal e necessária, há cargos políticos a serem preenchidos, no entanto, o presidente se esquece de que foi ele mesmo quem reforçou a demonização dos acordos. Não que os combinados que estejam em curso sejam os mais republicanos, visto que, aparentemente, o preço da construção da base de apoio sobe na mesma proporção do enfraquecimento do governo. A saída de Moro, sem dúvidas, inflacionou as negociações.

A desconfiança é mútua: da parte de Bolsonaro, por não ver comprometimento dos novos apoiadores; por parte do “centrão”, por ver em Bolsonaro um arrombo de contradições, que gera insegurança.

ELE MESMO DISSE – Em seu próprio discurso durante a posse do novo ministro da Justiça, o presidente falou acerca de respeito e independência entre os três poderes. Paradoxal quando sabemos que, outro dia, ele estava em um carro de som numa manifestação que pedia a volta do AI-5, o fechamento do Congresso e do STJ.

O centrão conta com mais ou menos 160 deputados federais. Estes, somados com a parte dos parlamentares do PSL que ainda apoiam o presidente, e o grupo do MDB, vinculados à bancada do boi, bala e bíblia, onde Bolsonaro ainda tem apoio, resultariam no número necessário para barrar qualquer tentativa de processo de impedimento. Resta-nos conferir se esse casamento se concretiza e o preço da festa.