Ao fazer circular a sua lenda, a mídia poderia lembrar, só lembrar, que Dilma Rousseff sofreu 68 pedidos de impeachment; só um colou. O ex-presidente Lula teve 37 pedidos. Michel Temer, 31.
J.R. Guzzo para a Revista Oeste:
Há uma lenda do nosso folclore, como a Mula-Sem-Cabeça ou o Negrinho do Pastoreio, que desfruta de grande respeito pelos jornalistas políticos brasileiros: a lenda segundo a qual realmente já foi visto, nas noites de lua cheia ou então sem lua nenhuma, um ente do além-túmulo que se chama Impeachment do Presidente da República. Garantem, alguns, que ele foi visto pela primeira vez logo depois que Jair Bolsonaro foi eleito presidente em outubro de 2018, e antes mesmo de tomar posse. Depois disso, dizem que vive aparecendo nas encruzilhadas de Brasília (onde o dr. Niemeyer permitiu que houvesse encruzilhadas), cemitérios abandonados e outros lugares em que as pessoas geralmente não gostam de ir. Justo agora parece que jogaram água benta em cima dele; o bicho deve ficar sumido por algum tempo.
Foi uma decepção, para muitos dos admiradores das nossas fábulas populares, mas o fato é que o presidente da Câmara dos Deputados, segundo divulgado hoje em matéria de Oeste, anunciou a seus próximos que vai mandar arquivar todos os pedidos de impeachment de Bolsonaro que foram apresentados a ele. Sonhava-se aqui e ali que Rodrigo Maia, a quem a mídia atribui diariamente sérias desavenças com o presidente, iria deixar a coisa rolar. Mas, por mais que desgoste de Bolsonaro, Maia não rasga dinheiro nem bebe água fervendo – e os pedidos que socaram em sua mesa, até agora, compõem uma das mais ambiciosas contribuições jamais feitas para o Arquivo Nacional dos Requerimentos Cretinos. O último deles foi apresentado pelo deputado Alexandre Frota. Não é preciso dizer mais nada.
A Constituição Federal permite, sim, que o presidente da República seja deposto do cargo por um processo de impeachment. Aliás, dos últimos cinco presidentes eleitos pelo voto popular direto, dois, Fernando Collor e Dilma Rousseff, foram legalmente postos no olho da rua. Tem dado um aproveitamento de 40% – nada mal. Mas há um detalhe realmente incômodo para tirar o presidente do seu cargo num processo de impeachment: é preciso dizer por quê. “Não dá para você pedir o impeachment do chefe da Nação como quem vai na farmácia comprar um Melhoral”, dizia o grão-sacerdote Ulysses Guimarães, sob a admiração geral dos nossos cérebros políticos ótimos e máximos. Esse “porquê” é complicado: para haver impeachment é preciso que o presidente tenha cometido um crime no exercício do seu mandato. Ou os jornalistas têm esse crime para falar no assunto, ou então têm apenas um Boitatá para ficarem passeando na floresta.
Qual delito, passível de impeachment, o presidente cometeu? Nenhum – nem a OAB acha isso, e nem o ex-presidente Lula é a favor dessa história. O último crime que tentaram colar em Bolsonaro foi “incentivar o contágio da população pelo coronavírus”, por ter cumprimentado grupos de admiradores que foram saudá-lo outro dia na porta do palácio. Assim fica difícil: desse jeito o homem não passa a faixa pelos próximos 250 anos. Ao fazer circular a sua lenda, a mídia poderia lembrar, só lembrar, que Dilma Rousseff sofreu 68 pedidos de impeachment; só um colou. O ex-presidente Lula teve 37 pedidos. Michel Temer, 31.
Há milhões de pessoas nas ruas gritando “Fora Bolsonaro”? Não há, e isso é um problema-gigante para quem quer tirar o homem de lá. Melhor, em vez de perder tempo com impeachment, é começar a pensar num jeito de ganhar as eleições de 2022.