A calamidade pública não começou com a pandemia

A coisa está preta, por aqui, muito antes de o primeiro chinês ouvir falar em coronavírus. J. R. Guzzo, via Oeste:
A Câmara e o Senado aprovaram sexta-feira o decreto do governo pelo qual fica combinado, oficialmente, que existe um “estado de calamidade” pública no Brasil. Que surpresa, não? Quem jamais poderia imaginar uma coisa dessas? Mais aí está: em vez de ser a gente que diz isso, são o Poder Executivo, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal que estão dizendo, na frente de todo mundo. “Vivemos uma calamidade”, decidiram eles.
 
A culpa, pelo que ficou combinado, é desse coronavírus – embora qualquer criança com dez anos de idade saiba perfeitamente que a coisa está preta, por aqui, muito antes de o primeiro chinês ouvir falar em coronavírus. Na cabeça de todo mundo, a verdadeira calamidade é o Congresso Nacional, e a maioria dos sujeitos que estão lá dentro. Não vamos jogar o problema, agora, nas costas do bicho.
 
Esse estado de “calamidade”, para falar português claro, não tem nada a ver com uma descrição de como está o nosso país. É uma medida puramente burocrática, ou contábil, para permitir que o governo, legalmente, gaste mais do que está escrito no Orçamento da União de 2020. É claro, também, que foi aprovada na hora, sem um único pio de toda essa gente que vive criando as maiores dificuldades para aprovar as menores providências pedidas pelo governo – afinal, é uma autorização para gastar mais, e os parlamentares brasileiros, por uma questão de condicionamento genético, aprovam tudo, absolutamente tudo, que signifique torrar mais dinheiro arrecadado com os impostos que o cidadão paga.
 
Não é “dinheiro do governo” – isso não existe. Só existe dinheiro seu, e é desse mesmo que eles estão falando. Os números são um horror. O orçamento federal de 2020, devidamente aprovado em lei, estabelece que o governo vai arrecadar e gastar 3,6 trilhões de reais até o fim do ano. Não erramos o número, como vive acontecendo – desta vez está certo, pode acreditar: são trilhões mesmo. O lindo, na história, é que esse dinheiro, tirado até o último tostão do seu bolso, não dá para pagar as despesas públicas; é pouco, e por isso o governo foi autorizado a gastar 124 bilhões de reais a mais que isso, para não ir à vara de falências. Entra, então, o coronavírus – e o Congresso decide que o governo pode gastar mais ainda, talvez até 200 bilhões de reais.
 
O Tesouro Nacional já não tinha os 124 bilhões. Não tem os 200, é claro. Mas será que ninguém pensou, tanto para uma como para outra cifra, se não seria o caso, talvez, sem ofender ninguém, de cortar despesas em algum lugar para o mês caber dentro do salário? Ou seja: para ficar só dentro daqueles 3,6 trilhõezinhos? Não, ninguém perguntou nada. E se alguém tivesse perguntado seria encaminhado diretamente ao Ministério das Perguntas Cretinas.
 
Essa é a nossa calamidade pública.