Política econômica de Guedes é primitiva e jamais dará bons resultados, diz Lara Resende

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Lara Resende não confia na política de Guedes

Vinicius Torres Freire e Marcos Augusto Gonçalves
Folha

Em meio a resultados ruins da economia e ao pânico do coronavírus, André Lara Resende lança livro com teses inovadoras, critica a política econômica e afirma que o debate macroeconômico no país está superado .A recente divulgação do PIB brasileiro de 2019 (1,1%), que selou uma sequência de três anos de crescimento irrisório, após dois de recessão, levantou questões incômodas para os defensores do atual receituário econômico.

O fiasco não foi nenhuma surpresa para o economista André Lara Resende: “A atual política econômica baseia-se num liberalismo primitivo, o ‘laissez-faire’ de Milton Friedman dos anos 1960/70”, diz em entrevista à Folha, concedida em São Paulo.

ESTADO FORTE – Com passagem pela vida acadêmica e experiência como diretor do Banco Central, negociador da dívida externa, presidente do BNDES e um dos formuladores do Plano Real, ele considera um erro acreditar que basta retirar o Estado da economia e equilibrar as contas públicas para que a confiança dos investidores privados seja recuperada e a economia volte a crescer. “Não há recuperação possível nessas condições”, afirma.

Se a situação da economia já se mostrava desalentadora, a ameaça do novo coronavírus tornou o cenário dramático. O pânico nos mercados financeiros e a possível recessão mundial suscitam apelos de ação dos governos —proposta que encontra eco nas ideias do economista.

O que o Sr. nos diz sobre o estágio do debate macroeconômico no Brasil?
A política econômica atual baseia-se num liberalismo primitivo, o “laissez-faire” de Milton Friedman dos anos 1960/70, no qual o monetarismo simplório da Teoria Quantitativa da Moeda foi substituído pela tese da “austeridade fiscal expansionista”. Sustenta-se que basta retirar o Estado da economia e equilibrar as contas públicas para que a confiança dos investidores privados seja recuperada, e a economia volte a crescer. Trata-se de um duplo equívoco. Primeiro, porque no mundo contemporâneo, mais do que nunca, um Estado competente é condição para o crescimento. Tanto para garantir serviços públicos de qualidade, como para o bom funcionamento da economia competitiva, a ação do Estado é indispensável. Segundo, porque a tentativa de equilibrar as contas públicas, a curto prazo e a qualquer custo, asfixia o setor privado com impostos distorcidos, inviabiliza os investimentos públicos e paralisa serviços básicos. Não há recuperação possível nessas condições.

O pânico gerado pelo novo coronavírus agrava o cenário. O que esperar?
Está claro que o coronavírus vai provocar uma parada brusca da economia mundial. Os bancos centrais não têm mais muito espaço com a taxa básica de juros, mas podem minorar uma nova crise de contração do crédito privado, através de recursos para compra de dívidas privadas. Mais uma vez, o que faria diferença seria a ação coordenada das políticas monetária e fiscal. É imperiosa a necessidade de aprovar verbas emergenciais para a saúde. Cortar, num momento como esse, “para compensar as perdas de receitas do petróleo” [como foi aventado], beira o surto psicótico.

Em sua opinião, a reação dos bancos centrais à crise de 2008 demonstrou que as visões macroeconômicas em vigor no Brasil estão ultrapassadas. Por quê??
A reação à crise de 2008 deixou patente que não existe uma restrição natural para a emissão de moeda. Ao menos quando há capacidade ociosa e o crédito bancário (isto é, a emissão de moeda privada) está contido, a emissão de base monetária não provoca inflação. Os principais bancos centrais emitiram como nunca, multiplicando a base monetária por fatores superiores a 15 vezes, sem provocar vestígio de inflação. Pelo contrário, mais de uma década depois, as economias avançadas continuam perigosamente próximas da deflação. Não pode haver prova mais cabal de que a emissão de moeda não provoca inevitavelmente inflação. O experimento do chamado “quantitative easing” salvou o sistema financeiro e implodiu a macroeconomia estabelecida.