Lava Jato aponta propina de “Rei Arthur” para delegado do Rio em compra de restaurante

Delegado teria recebido R$ 2 milhões de Arthur Soares

Daniel Biasetto
O Globo

O empresário Arthur Menezes Soares,  conhecido como “Rei Arthur”,  encontrou uma maneira de encerrar os inquéritos aos quais era investigado por crime tributário no Estado do Rio: ele abriu uma franquia do restaurante francês L’entrecôte de Paris, em Ipanema.

De acordo com a delação do sócio de Arthur, Ricardo Siqueira Rodrigues, à força-tarefa da Lava-Jato, o impasse teria sido resolvido após um ‘empréstimo’ de R$ 2 milhões feito por Arthur para a abertura do restaurante, que tem entre os sócios o advogado Danilo Botelho dos Santos e a empresária Renata Andriola de Almeida.

ESQUEMA DE CORRUPÇÃO – Danilo é filho do ex-secretário nacional de Justiça Astério Pereira dos Santos. Ambos foram presos na quinta-feira pela Lava-Jato acusados de participação no esquema de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral.

Renata é mulher do delegado Ângelo Ribeiro de Almeida Júnior, titular da Delegacia Fazendária, de 2008 a 2015, uma unidade da Polícia Civil especializada em apurar crimes contra a administração pública. De acordo com o delator,  o empresário procurou Danilo, que era próximo ao delegado Ângelo Ribeiro, para intermediar uma solução e assim liquidar sua dívida com a Fazenda.

O delator afirmou ainda que os R$ 2 milhões foram repassados por meio de uma empresa de Arthur, mas que não sabia se tinham sido diretamente a alguma empresa de Ângelo ou de seus familiares. Em 2015, o MP descobriu que parentes e pessoas ligadas ao policial civil apareciam como proprietários de oito empresas. Duas delas seriam lojas do restaurante L’Entrecôte de Paris, da qual Renata e Danielo são sócios, em Ipanema e na Gávea.

APROXIMAÇÃO – “Danilo fez uma aproximação com o delegado Ângelo Ribeiro para discutir os inquéritos em andamento e em seguida Arthur afirmou que ‘emprestou ” R$ 2.000.000,00 para abertura de um restaurante e que este seria o L’entrecôte de Paris, em Ipanema. Arthur chegou até mesmo a comentar que Danilo também seria sócio do restaurante”, diz trecho da delação.

O dinheiro teria sido usado como pagamento de propina para Ângelo aliviar as dívidas de Arthur com a Fazenda. Depois de ter sido convocado para depor por mais de uma vez na Polícia Civil, no inquérito que apurava crime contra a ordem tributária e cartel da Facility , Arthur finalmente prestou depoimento na Delegacia Fazendária no fim de 2013.

LEGALIDADE – Acusado de pagar propina na compra dos votos para os Jogos Olímpicos de 2016, Arthur tentou, segundo o delator, dar uma aparência de legalidade ao “empréstimo” feito para a compra da franquia do L’entrecôte de Paris, quando a operação UnfairPlay foi deflagrada, em setembro de 2017.

“Havia uma preocupação muito grande de Arthur de que o mútuo fosse pago ou tivesse, ao menos, um início de pagamento, para comprovar a suposta veracidade da operação”, diz outro trecho da colaboração.

Ao autorizar a busca e apreensão contra o delegado Ângelo Ribeiro e sua mulher Renata Almeida, o juiz Marcelo Bretas afirmou que foi possível encontrar o registro do número de Danilo, com marcação de reuniões em 2016, na agenda telefônica de Arthur, a partir da quebra de sigilo telemático.

MENSAGENS ELETRÔNICAS – Também foram encontradas mensagens eletrônicas na qual há comentários sobre a saída de Ângelo do posto na Delegacia Fazendária e “o suposto auxílio que Arthur poderia lhe ofertar na busca por uma nova lotação”.

Ao deixar a unidade, o delegado Ângelo Ribeiro foi nomeado em fevereiro de 2016 para o gabinete do então presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani, que está em prisão domiciliar, denunciado na operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava-Jato. O salário dele aparece na folha de pagamento como sendo de R$ 1.410,75 e que, com gratificações, era reajustado para R$ 3.526,86.

SOCIEDADE – Os nomes de Renata e Danilo constam como sócios do Secret Sauce Restaurant,  nome fantasia do L’entrecôte de Paris, desde julho de 2014, com um capital social de R$ 3 milhões. No ano passado, o local mudou o nome para Francês Restaurante, com a justificativa de que queriam expandir o cardápio.

Ao receber a ligação do O Globo, uma mulher chamada Camila afirmou, antes de bater o telefone, que o restaurante deixou de funcionar na quinta-feira, mesmo dia em que Ângelo e Renata foram alvos da operação, e não abrirá mais as portas. Já a franquia do L’entrecôte de Paris, no Shopping da Gávea, onde Renata e Danilo também aparecem como sócios com um capital social de R$ 300 mil,  não vai interromper suas atividades.

O gerente do restaurante, Henrique Rodrigues, afirmou conhecer Renata, mas não Danilo. Ele disse que não está autorizado a comentar as acusações contra sua chefe. Danilo também é dono do escritório de advocacia Navarro, Botelho, Nahon e Kloh, localizado no centro do Rio. Seus demais sócios só pretendem comentar o caso depois de se inteirarem dos fatos.

NEGATIVA – Em nota, o delegado Ângelo Ribeiro de Almeida Júnior afirmou que não tem “relação comercial ou societária com o Sr Arthur Soares” e que no período em que foi o titular da Delegacia Fazendária “nenhum inquérito ou investigação realizado no âmbito daquela delegacia foi arquivado ou algo deixou de ser apurado contra o Sr. Arthur Soares ou qualquer de suas empresas”.

Ela diz ainda que os procedimentos que envolvem o “Rei Arthur” continuam em andamento. Sobre a sociedade de sua mulher, Renata, com o restautante L´Entrecôte de Paris, Ângelo diz que foi tomado como empréstimo por ela e pelo seu sócio à época empresário, junto a uma empresa de investimentos do Sr. Arthur Soares no valor de R$ 2 milhões “documentado em Contrato de Mútuo, realizado de forma regular, com cobrança de juros e garantias reais” e que “os balanços e extratos bancários estão à disposição das autoridades”.

CAMPEÃO DE CONTRATOS – A titular da Delegacia Fazendária, Tércia Amoedo, não quis confirmar se ainda há inquéritos pendentes sobre  o ‘Rei Arthur’. Sob o comando do empresário, o Grupo Facility foi o campeão de contratos com o governo Sérgio Cabral: R$ 1,7 bilhão anuais para prestação de serviços em várias secretarias do Rio.

A defesa de Renata Andriola de Almeida não foi ocalizada. A delação premiada de Ricardo Siqueira Rodrigues foi homologada pela 12ª Vara Federal do Distrito Federal e remetida à 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

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