2019 já está praticamente acabando, mas ainda há tempo para lembrar da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. Ela foi a primeira mulher portuguesa que recebeu o Prêmio Camões, em 1999, e também recebeu o prêmio Reina Sofía (2004), ano em que deixou este plano. O último seis de novembro marcou 100 anos do seu nascimento.

A produção de Breyner abrange poemas, contos, ensaios e livros infantis. Conhecer a obra da escritora, contudo, é navegar em diversos mares. Apesar da constância e da linha que subjaz sua produção, há nítidas diferenças que advém, não de amadurecimento, mas das formas distintas com que ela apreende a realidade. Ora mais concreto e cortante, ora alicerçado em um fugaz cotidiano.

Deste lado do Atlântico, seus textos são pouco conhecidos e começaram a ganhar notoriedade quando a Maria Betânia gravou o disco “Mar de Sophia”, em 2006. O álbum é cheio de espumas, corais e peixes, como são os textos da homenageada.

Para mim os principais textos dela estão reunidos em “Mar novo”, publicado em 1958, e também em “Dual”, publicado em 1972. Abaixo três poemas para degustarmos sua obra.

A HORA DA PARTIDA

A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.

BEBIDO O LUAR

Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Revista O GRITO - Por Fernando Albuquerque