Instalar Embaixada em Jerusalém será ‘tiro no próprio pé’, avisa o embaixador Azambuja

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Marcos Azambuja é um dos diplomatas mais experientes do país

Luiza Queiroz
Estadão

A promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro aos evangélicos de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém passou a maior parte de 2019 apenas no campo da retórica, até que, em dezembro, o país abriu um escritório comercial na capital israelense. Foi a primeira medida concreta a partir da promessa de Bolsonaro. E, na visão do diplomata Marcos Azambuja, ex-secretário-geral do Itamaraty que foi embaixador brasileiro na França e na Argentina entre os anos 1990 e 2000, foi uma maneira camuflada de promover uma aproximação de forma “imprópria” com Israel.

Em entrevista ao BRP, Azambuja, que atualmente é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), afirma que não acredita que a embaixada brasileira em Israel mude de lugar tão cedo. “A não ser que o Brasil queira fazer uma coisa que é quase incompreensível, que é, sozinho, dar um tiro no próprio pé”, diz.

Na opinião do senhor, esta é uma medida que vai se concretizar, ou acredita que é algo que ficará no plano da retórica?
Eu creio que não vai se concretizar, porque ela é uma anomalia. Eu defendo uma relação densa e eficaz do Brasil com Israel. Israel é um bom parceiro, é um bom sócio, um bom amigo. Portanto, eu favoreço relações comerciais, científicas, agropecuárias com Israel, por todos os títulos. O fato de apenas dois países no mundo todo (Estados Unidos e Guatemala) – de um total de quase 200 países – terem a sede de sua embaixada em Jerusalém sugere que o normal, neste caso, é que as embaixadas estrangeiras permaneçam em Tel Aviv. Portanto, não é normal um ato nosso que nos separe da totalidade dos sul-americanos, dos países do Oriente Médio, de todos os europeus. Não me parece natural.

Mas o senhor acredita, então, que haverá algum tipo de freio no Itamaraty contra essa intenção do governo?
Eu creio que haverá uma reação, primeiro, da opinião pública brasileira que, querendo uma boa relação com Israel, não quer que essa relação tenha um perfil tão separado do resto, que a nossa relação seja uma anomalia. Em outras palavras: o Brasil deve, com Israel, navegar como todos os demais países. Não há dúvida de que Jerusalém é a capital de um Estado judeu de Israel. O problema é que há uma parte de Jerusalém chamada Jerusalém Ocidental que tem uma outra identidade. A ideia é que você tenha (ao mesmo tempo) o Estado de Israel e uma entidade palestina, e que a capital tenha duas identidades: uma palestina e outra judaica. E que Jerusalém, pela sua importância simbólica, religiosa, histórica, seja uma cidade que represente um entendimento entre as grandes religiões monoteístas, para a qual Jerusalém tem uma sacralidade. Jerusalém é sagrada para os judeus, cristãos e muçulmanos. Portanto, isso tem que ser levado em conta de maneira decisiva.

O que a abertura do escritório comercial do governo brasileiro em Jerusalém significa?
A meu ver, é uma maneira camuflada de uma aproximação que considero imprópria. Em Israel, as distâncias são tão pequenas entre Tel Aviv e Jerusalém que não justifica (a abertura) de um escritório situado em Jerusalém. A escolha de Jerusalém sugere que o País está querendo uma ruptura com uma política brasileira que desde a criação do Estado de Israel tem sido coerente: reconhecer Israel, adensar as relações com Israel, mas reconhecer os direitos dos palestinos e reconhecer que  Jerusalém tem de ter um tratamento específico. A expressão que se usa é a de que Jerusalém é um “corpo separado”, desde o tempo da partilha.

Essa é uma promessa de campanha do presidente que obviamente pode prejudicar muito nossa relação com o mundo árabe, certo?
Muito. Não é só com o mundo árabe: é com mundo islâmico. O mundo árabe é uma fração do mundo islâmico. O mundo islâmico envolve imensos países como a Turquia, que não é nada árabe; como o Irã, que não é nada árabe; como a Indonésia, que não é nada árabe; com países da Ásia, que não são nada árabes. O islã se propagou muito além das comunidades originais árabes que o apoiaram. Então não é apenas uma relação com os países árabes (que pode ser prejudicada), é uma relação com bem mais de 1 bilhão de pessoas espalhadas em numerosíssimos países, na África e na Ásia.

O presidente já deu declarações de que pretende transferir a embaixada para Jerusalém e, ao mesmo tempo, fez uma viagem a países do Oriente Médio e da Ásia em busca de investimentos. Então qual é a mensagem que o Planalto está enviando? Há uma coerência nessa política externa?
Estamos em um momento da política externa em que você tem uma política que se anuncia inicialmente como estrondosa, um pouco retórica, um pouco teatral e depois a realidade obriga a um recuo e a um ajustamento. Certas igrejas cristãs acreditam que uma volta do Messias é precedida pelo retorno da capital de Israel a Jerusalém. É parte da convicção evangélica. Então isso explica que certos setores que apoiam o presidente da República favoreçam isso. Agora, por outro lado, a realidade é irresistível: você realizar um ato que não oferece nenhum dividendo de natureza econômica, comercial, científica – pelo contrário, que é oneroso, é um tributo muito caro nas suas relações com grande parte do mundo – para nada, por nada, é incompreensível. Portanto, acredito que houve aquele gesto, houve recuo até no escritório comercial, e a minha impressão é de que ficamos nisso. Eu não vejo condições políticas e econômicas para isso. A não ser que o Brasil queira fazer uma coisa que é quase incompreensível, que é, sozinho, dar um tiro no próprio pé.

Mas o escritório foi aberto, em dezembro.
Foi anunciado, não sei se será operacional. Essas coisas têm uma sequência, mas tenho a impressão de que, a cada gesto que o Brasil está fazendo gratuitamente, haverá uma reação dos nosso fregueses, sócios, amigos, parceiros, que não entendem o porquê. Do Brasil, espera-se que aja de acordo com seus interesses. E os interesses brasileiros não são servidos por uma aproximação exagerada com Jerusalém neste momento.

O senhor teme algum tipo de retaliação comercial do mundo árabe contra o Brasil?
Inicialmente não, porque os árabes não querem fazer uma retaliação que fere seus próprios interesses. Em outras palavras: ao nos ferirem, eles se ferem também. Portanto haverá um enorme esforço do mundo islâmico, árabe, do Oriente Médio, para ver se o Brasil continua a ser o que sempre foi: um amigo de Israel e um amigo dos povos islâmicos. Um país que se move com prudência, com serenidade e que tem um pêndulo que não vai nem para um extremo nem para o outro. Acho que estamos recebendo do mundo islâmico e do mundo do Oriente Médio a palavra “advertência”. “Não façam isso, isso prejudica vocês e nos prejudica”.

Como está nossa relação com estes países do Oriente Médio atualmente?
Houve inicialmente uma surpresa. O mundo árabe gosta do Brasil, o Brasil é um País que acolheu um grande número de sírios, de libaneses, de marroquinos, eles acham que somos um freguês e um parceiro comercial importante. Houve uma perplexidade: por que diabos o Brasil sai de seus cuidados para fazer uma coisa que não é cobrada pela opinião pública brasileira, e que não atende aos nossos interesses? A gratuidade em diplomacia é sempre inexplicável.

É correto dizer que há uma “mimetização” da política externa do presidente americano Donald Trump por parte do presidente Jair Bolsonaro? Como o senhor avalia isso?
Eu acho que o Brasil tem que ter uma fidelidade única e exclusiva a ele mesmo. As relações com os EUA têm que ser estupendas, ninguém é mais pró um relacionamento próximo, estreito com Washington, do que eu. Mas o Brasil se move pela sua própria bússola. O Brasil se move pelo seu próprio interesse. De modo que os EUA têm suas prioridades, e o Brasil, as suas. Nós coincidimos no essencial: somos duas imensas democracias multirraciais, dois grandes espaços do continente americano, então temos todas as razões de aproximação, mas os interesses americanos são movidos por outros impulsos. O Brasil tem que ser fiel ao Brasil e amigo dos EUA, mas não pode seguir os passos dos EUA, porque eles vão em outra direção, por outra estrada, com outra velocidade.

O mundo está se movendo para uma diplomacia menos estruturada, menos disciplinada, menos responsável para algo mais espontâneo e mais voluntarista. Não temos mais líderes internacionais.
Sobre esse novo arranjo, acredito que seja uma anomalia passageira. O próprio Trump vai se dar conta, creio. Antigamente, havia a ideia de que, passado o jogo eleitoral, o presidente eleito se dedicaria a criar pontes com outros grupos para governar em nome da totalidade da nação. Agora, não mais. As pessoas governam em nome de suas bases eleitorais. O que Trump trouxe foi a ideia de que a ele corresponde um interesse dele e de seus apoiadores, e o resto são adversários, inimigos. E ele está passando por um processo impeachment porque age de uma maneira que metade dos EUA não aceita. É claro que no Senado ele vai conseguir sobreviver. Mas o ponto é que nós estamos em uma política de rupturas. Não creio que Trump seja o melhor modelo a seguir.

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