Piedade, história e família, segundo Claúdio Assis

Cineasta pernambucano fala do seu novo filme, que estreou no Festival de Brasília

Cineasta Cláudio Assis / Thaís Mallon/DivulgaçãoCineasta Cláudio Assis                                                                            foto:Thaís Mallon/Divulgação

Por Ernesto Barros  – JC On-Line

Cada novo filme do cineasta pernambucano Cláudio Assis é esperado com ansiedade pelo público brasileiro. Com Piedade, exibido na Mostra Competitiva do Festival de Brasília 2019, não foi diferente. Para além do que já se espera dos seus longas, que já ganharam três vezes o Candango de Melhor Filme na Capital Federal, Piedade traz elementos de sua história pessoal. Nesta conversa, Cláudio Assis fala da própria vida e de um caso familiar que influenciou a trama do filme, além de detalhes do encontro com a atriz Fernanda Montenegro e do ator Cauã Reymond, que trabalham com ele pela primeira vez.

Novo longa de Assis, Piedade se passa numa cidade fictícia, mas com pontos semelhantes ao Recife. No elenco estão Cauã Reymond, Matheus Nachtergaele, Irandhir Santos e Fernanda Montenegro

JORNAL DO COMMERCIO – Você sempre fez filmes muito pessoais, mas este é ainda mais dos que os anteriores. Foi mais difícil fazê-lo?

CLAUDIO ASSIS – Não foi difícil. Foi a forma que encontrei para dialogar com o público, contando a história da minha vida, de maneira que tocasse outros elementos que vivi também. Eu lutei contra Suape e isso está lá bem claramente, com a vida das pessoas que vivem à beira-mar. E a história da minha família e a busca do meu irmão são outras questões, mas tratadas ficcionalmente. Não foi duro de fazer. Foi duro de elaborar, de construir os personagens, de lidar com eles, mas foi bacana, tranquilo. O filme tem a grandeza de Cauã Reymond, de Matheus Nachtergaele, de Irandhir Santos e da Fernanda Montenegro, que foi uma dama, uma diva, uma senhora que demonstrou um prazer enorme em trabalhar, sem regalias nem nada, apenas ser simples como todo mundo é.

JC – Na apresentação no Cine Brasília, você disse, mais de uma vez, que Piedade foi um filme que deu muito trabalho. Em que consistiu esse trabalho?

ASSIS – Quando me refiro ao trabalho, falo de trabalhar as ideias e todas as coisas. Só que, no período após as filmagens, eu sofri um AVC, o que fez com que eu demorasse a lançar. E quando me preparo para lançar o filme, acontece essa desgraça que está em Pernambuco, na Bahia, no Rio Grande do Norte, em todo canto, que é o petróleo no mar. Esse AVC foi uma dádiva (risos), entendeu, para o filme ser mais atual, pois ele se passa quase todo no mar. E acontece essa desgraça no Brasil, no mar. Para mim, isso foi muito surpreendente. Você sofreu um AVC, seu f*****, ou estava escondendo o filme? (risos).

JC – Você está sempre reunido de atores muito próximos. Matheus Nachtergaele fez todos os seus filmes, Irandhir Santos já está no terceiro. Em Piedade você traz Cauã Reymond e Fernanda Montenegro. Você pensou inicialmente neles? Como foi essa procura?

ASSIS – Eu cheguei até Dona Fernanda através de Matheus. Eu disse para ele que estava procurando uma atriz. Fiz testes pelo Nordeste, mas não encontrei a atriz que queria. Eu pensava numa atriz dos filmes de Pedro Almodóvar, porque meus bisavós vieram da Espanha. Eu gostaria de trazê-la para cá. Quando encontrei Matheus, ele falou em Dona Fernanda e fomos falar com ela. Eu disse: “Acho difícil ela topar, mas se topar…” Nós ligamos para a mulher e ela foi de uma delicadeza e uma fineza… Maravilhosa. Nós marcamos um encontro numa livraria, no Leblon. Eu estava em São Paulo, fazendo um trabalho, e fui com Júlia Moraes para o encontro. Quando nós chegamos lá, ela estava escondida, lendo uns livros. Foi maravilhoso e tranquilo conversar com Dona Fernanda. Eu disse que a gente tinha motorista, mas ela disse “eu vim com meus pés e volto com meus pés”. Ela foi de uma generosidade tão grande que me surpreendeu.

JC – E Cauã?

ASSIS – Ah, por acaso, Cauã estava numa sala, falando com o empresário dele. Eu convidei ele também, que disse: “Não quero saber da história, quero fazer o filme”. “Caralho, puta que pariu”, eu disse de volta. “Não quero saber de nada”, ele falou de novo. “Mas tu vai ser um homossexual”. “Tudo bem, eu faço o que você quiser”, ele disse. Foi uma coincidência tão grande, porque eu pensava nele mesmo. Você está no Rio, numa livraria, para falar com Fernanda Montenegro e encontra Cauã! Que é isso? Ele estava conversando com o empresário dele e depois sentou com a gente, numa sala reservada da livraria. Ele está divinamente bem no filme.

JC – Você criou essa cidade fictícia, Piedade, mas a gente lembra logo do Recife por causa dos tubarões. Mas, fisicamente, ela não lembra muito Boa Viagem, por exemplo.

ASSIS – Tem o Recife, mas a parte dos prédios é mais para os lados de Piedade e Candeias. Filmamos também na Ilha Tatuoca, em Suape, que fica de frente das praias e deve ser destruída também. A produção foi falar com o dono do bar, que aparece no filme, mas ele estava furioso, porque iria ser expulso de lá. Eu disse pro pessoal que deixassem comigo, porque quem vai falar com ele sou eu. Mas fui com a produtora Camila Valença e ele topou. Disse para ele que era um filme-denúncia, que era real, que tratava de vidas que a gente viveu e está vivendo. Ele topou na hora. Daí, foi tranquilo fazer o filme e ele foi super elegante. A gente deve uma projeção a eles.

JC – Outra das locações mais imponentes de Piedade é um cinema pornô. Onde você encontrou esse lugar, tão importante no filme?

ASSIS – É o cinema da Rua Imperador. Lá ainda tem uns projetores antigos, eu nem acreditei. Eu botei o Cauã como o dono do cinema pornô, numa alusão ao cinema em si. Não é nada que diz respeito à minha vida, mas ele tem um valor para o meu irmão, que toma conta dele.

JC – Tem uma cena no cinema bem curiosa. O filme que está passando lá é Baixio das Bestas, justamente a cena que se passa num cinema antigo, com Dira Paes no palco.

ASSIS – (Risos). E eu vou colocar uma cena de um filme que vou pedir autorização para passar? Não, botei do meu mesmo. E ele tem a ver totalmente com a história. Deixa quieto meu filme aí mesmo.

JC – Foi uma boa sacada.

ASSIS – Lógico, a gente tem que se virar nos 30!

DEDICATÓRIA

JC – Por que você dedicou o filme à sua mãe?

ASSIS – Porque a história de pano de fundo é a história dela. Eu e ela passamos a vida procurando esse irmão, que a gente encontrou depois. No filme, meu papel seria o de Irandhir. É uma questão da minha vivência, por isso o filme tem muito a ver com minha história. Ela está viva. O nome dela é Clodomira Maria de Assis. É uma figura, forte ainda.

JC – Você pretende mostrar o filme para ela e seus irmãos?

ASSIS – Oxente, lógico! Eles têm que ver. Não vai ter sessão especial, vão ver no cinema, no Recife, com todo mundo. Ela tem que ver o que o filho está fazendo.

JC – Será algo especial ela ver esse filme.

ASSIS – Vai ser. Ela não sabe de nada. Ela tem uns 90 anos, mas esconde a idade, é muito esperta. Minha mãe é uma figura da boba serena. Ela está velhinha, mas é uma mulher incrível, muito segura, com a cabeça cem por cento, é impressionante.

JC – Já tem data de estreia?

ASSIS – Possivelmente em março do ano que vem, mas ainda estamos discutindo com algumas distribuidores.

JC – Você falou no debate de Piedade que tem um projeto novo, que terá Walter Carvalho novamente como diretor de fotografia?

ASSIS – É um projeto antigo, o filme Gigantes pela Própria Natureza.

JC – É o filme sobre os anões, que tem roteiro de Amim Stepple?

ASSIS – Sim, eu estou perseguindo ele há muitos anos. Esse filme está tendo uma gestação grande. Ele trata dos pequenos, dos nanicos, das pessoas que são subjugadas. É uma frase tirada do Hino Nacional, em que a gente vê as pessoas que estão aí, que estão vivendo, lutando para sobreviver. São pessoas necessárias.

JC – E tem os anões mesmo?

ASSIS – Lógico, eles mandam no filme (risos).

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