Para salvar os filhos, Bolsonaro caiu na armadilha de Gilmar e agora é tarde para recuar

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Bolsonaro foi iludido por Toffoli e entrou numa gelada

Carlos Newton

Se tivesse algum verniz de cultura, Jair Bolsonaro saberia que não pode haver pacto entre os Três Poderes em regime democrático. Desde a publicação dos pensamentos políticos do nobre francês Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e Montesquieu, especialmente o livro “O Espírito das Leis” (1748), a independência dos Poderes passou a ser o mais importante dogma político, como principal característica da democracia.

O presidente Bolsonaro, infelizmente, funciona como um analfabeto político e se deixou enredar pela conversa fiada do presidente do Supremo, Dias Toffoli, que na abertura dos trabalhos legislativos, dia 4 de fevereiro, discursou no Congresso propondo um “pacto” entre os três Poderes da República.

CRIATIVIDADE – Como se sabe, Toffoli atua como um garoto de recados do ministro Gilmar Mendes, que é uma nova versão do Satânico Doutor No, sem que apareça um agente 007 capaz de enfrentá-lo.

Gilmar é competente, tem vasto conhecimento jurídico e demostra invulgar criatividade, adaptando-se às mais diversas situações. Sempre foi a favor da prisão após segunda instância, como se lê no livro que escreveu em parceria com o professor Paulo Gustavo Branco, “Curso de Direito Constitucional”:

Esgotadas as instâncias ordinárias com a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com considerável força, de que o réu é culpado e a sua prisão necessária. Nesse estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes recursos”, escreveu Gilmar no livro que é vendido a seus alunos. Mas agora, no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, o ministro deu um voto exatamente ao contrário do que ele ensina na Faculdade.

IMPUNIDADE – Na verdade, foi Gilmar Mendes que armou essa arapuca jurídica para soltar todos os presos da Lava Jato e garantir a impunidade dos réus de corrupção, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.

Até 2016, Gilmar era coerente e continuava apoiando a prisão após segunda instância, mas mudou de ideia quando seus amigos passaram a réus, como Michel Temer, Aécio Neves e tantos mais, inclusive Lula da Silva, e sua mulher, Guiomar Mendes, era íntima da ex-primeira-dama Marisa Letícia.

Ainda no governo Temer, no qual agia como se fosse uma versão jurídica do Rasputin, o irrequieto ministro do STF então bolou a tese da “descriminalização da política”, sugerindo passar a borracha no passado e encarar um novo futuro.

PONTO FRACO -Temer adorou a ideia, mas não teve como concretizá-la. Assim, Gilmar voltou à carga no atual governo, com apoio entusiástico de Dias Toffoli, e os dois se aproveitaram do ponto mais fraco do presidente Bolsonaro – o envolvimento dos filhos dele com as “rachadinhas”, um abominável meio de enriquecimento ilícito que inclui lavagem de dinheiro.

A ideia do pacto seduziu Bolsonaro, e o novo passo do grupo que articulava a tal “descriminalização da política” foi preparar o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 43) sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal, impetrada pelo partido Patriota (ex-PEN), que tem como guru jurídico o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, amigo de Gilmar e Toffoli, e o grupo  conseguiu que a OAB apresentasse idêntica ação  (ADC 44) e depois o PCdoB (ADC 54).

VÁRIAS FRENTES – O grupo atuava ao mesmo tempo em várias frentes, e no dia 16 de julho surgiu a espantosa liminar de Toffoli a favor de Flávio Bolsonaro, com a suspensão de todos os inquéritos e processos abertos com base em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), da Receita Federal ou do Banco Central. Foi uma decisão adotada de forma ilegal, porque o ministro a expandiu para todos os casos semelhantes, e isso não é permitido aos magistrados, que devem se ater à petição da parte.

Com essa absurda amplitude da liminar, dois dos beneficiados foram o próprio Dias Toffoli e o amigo Gilmar Mendes, cujas esposas estavam sendo investigadas por irregularidades nas contas bancárias e/ou declarações de renda, sem falar na mesada de R$ 100 mil que Toffoli recebia da esposa.

Bolsonaro, é claro, ficou felicíssimo, nem percebeu que havia caído numa armadilha, pois, ao se tornar cúmplice da “descriminalização da política”, jamais poderia atacar essa articulação do Supremo, teria de se omitir.

TUDO DOMINADO – Com Bolsonaro sob controle, estava tudo dominado, porque o Congresso em peso também apoia essa blindagem aos crimes cometidos pelos políticos – corrupção, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa e enriquecimento ilícito, repita-se ad nauseam, como dizem os juristas.

Os ministros “garantistas” então tiveram liberdade total para concretizar o grande golpe da anulação da Lava Jato, usando este julgamento do Supremo, porque Kakay discretamente reformulou o pedido inicial e passou a sustentar que a presunção de inocência teria de ser respeitada até o trânsito em julgado, que só ocorre no Supremo. E nessa manobra foi acompanhado pelas defesas da OAB e do PCdoB.

A grande dúvida era Rosa Weber. Quando ela votou a favor do trânsito em julgado, Gilmar ficou tão contente que se levantou e foi à plateia abraçar Kakay, vejam a que ponto de desfaçatez chegamos. O resto todos sabem. A Lava Jato acabou, porque não pode mais prender ninguém. E todos os condenados serão soltos.

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