Centrão reage e não aceitará vetos a artigos abusivos da reforma partidária

Charge do Cicero (Correio Braziliense)

Gustavo Maia e Daniel Gullino

O Globo

A intenção do Palácio do Planalto de vetar pontos do projeto da reforma partidária, aprovado na quarta-feira, não foi bem recebida entre os parlamentares do Centrão. O ponto mais controverso é o que permite o pagamento de advogados e contadores sem que esses recursos passem pela conta oficial de campanha. Os valores seriam declarados à Justiça Eleitoral, mas estariam fora do teto de gastos imposto a cada candidatura. Para especialistas em transparência, essa regra pode estimular o drible ao limite de gastos e abrir brecha para lavagem de dinheiro.

Existe na Câmara a avaliação de que, como os deputados analisaram o projeto duas vezes e aceitaram fazer mudanças, um veto de Bolsonaro não seria bem aceito. O líder do PL (antigo PR), Wellington Roberto (PB), classifica a possibilidade como uma “afronta”.

REAÇÃO FIRME — “Eu posso dizer o seguinte: se o governo vetar, vai assumir a responsabilidade de afrontar mais uma vez o Parlamento” — disse o líder. “Não tem o que argumentar. Votamos por duas vezes, mesmo com todo o expurgo da Casa vizinha. Acho que a Câmara não vai aceitar isso porque já emitiu sua opinião por duas vezes”.

Jair Bolsonaro terá 15 dias úteis para decidir se sanciona a matéria, contados da data do recebimento pela Presidência, o que ainda não ocorreu. O texto já começou a ser analisado pela Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência, comandada pelo ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira.

De acordo com um interlocutor frequente do presidente, a maior probabilidade é que ele desagrade boa parte do Centrão da Câmara, com o veto. Outro auxiliar de Bolsonaro destacou a mobilização popular que pressionou o Senado a recuar da intenção de aprovar a primeira versão do texto. Esse ponto deve pesar na decisão do chefe do Executivo, cuja base eleitoral se insurgiu nas redes sociais contra o projeto.

PRAZO FATAL – Para valer a tempo das eleições do ano que vem, o projeto precisa ser sancionado pelo presidente da República até 4 de outubro. O prazo apertado foi usado como justificativa pelos parlamentares — entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) — para aprovar o texto às pressas.

Na terça-feira, o Senado reduziu o projeto ao dispositivo que regulamenta o fundo eleitoral com recursos públicos. Cerca de 24 horas depois, os deputados retomaram o texto que haviam aprovado há duas semanas quase na íntegra, retirando apenas quatro dos itens que provocaram mais críticas de entidades que defendem transparência.

Foram suprimidas a permissão de que os partidos pudessem corrigir erros na prestação de contas até o julgamento na Justiça, o aumento no prazo para a prestação e correção de contas partidárias, a permissão do uso de vários sistemas para a prestação e a previsão para que partidos fossem multados por erros na prestação só quando houvesse dolo.

PAGAR ADVOGADO – Também foi alterada a redação de um trecho que permitia pagar advogados para processos criminais de políticos com o fundo partidário. Na nova versão, a autorização se refere apenas a processos eleitorais. Como é permitido usar o fundo partidário para gastos eleitorais, a mudança só regulamenta o que já acontece hoje.

Um ponto polêmico que permanece no texto é o que limita o pagamento de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. O projeto prevê que somente poderá ser suspenso o repasse de metade do valor do fundo partidário quando a legenda for multada. Isso, na prática, alongará o prazo para a quitação. O texto também autoriza que as siglas gastem recursos do fundo partidário na compra de imóveis ou construção de suas sedes, o que também é alvo de críticas.

O projeto muda também o momento em que as candidaturas são avaliadas pela Justiça Eleitoral. Hoje, isso ocorre no momento do registro e, com a mudança, essa análise poderá ser feita até a data da posse, o que abre a possibilidade de eleição de políticos ficha-suja.

PROPAGANDA NA TV – A proposta ainda retoma a propaganda partidária, com a reserva de tempo de TV para as legendas fora do período eleitoral. Esse tipo de veiculação foi encerrada em 2017 para que os recursos da renúncia fiscal dessa medida ajudassem a financiar o fundo eleitoral. No novo formato, os partidos teriam direito a inserções durante a programação das emissoras e não mais programas, como no passado.

Os críticos ao texto consideram que o projeto pode diminuir a transparência, dificultar a fiscalização e favorecer irregularidades em campanhas, como caixa dois. Na quarta-feira, antes da votação na Câmara, entidades de defesa da transparência entregaram a Rodrigo Maia uma carta aberta em protesto a alguns pontos do projeto. Alguns deles foram derrubados, mas outros permanecem, como o pagamento de advogados por terceiros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *