O retorno da censura. Por Martha Medeiros

Eis que nossas famílias agora estão assim, desamparadas, precisando com urgência da tutela de homens sábios como Bolsonaro e Crivella

O atual presidente do Brasil foi eleito, entre outras razões, porque também prometeu proteger nossas famílias: ele garante que o cinema nacional não mais fará corar as senhoras de bem e continua incentivando cada pai a dar uma coça em seu filho ao primeiro sinal de que ele possa vir a ser maricas. Ufa, estamos protegidos.

Uma pena não termos tido essa sorte antes. Poderiam ter nos privado dessa onda feminista, em que mulheres vêm a público lutar contra a violência doméstica e contra salários desiguais, quando deveriam estar atrás de um fogão preparando o jantar do marido e limpando os ouvidos da criançada, cumprindo assim seus deveres de mãe e esposa. Um governo protetor jamais decretaria luto oficial pela morte de Leila Diniz, e sim divulgaria um “vade retro” em alto e bom som, para evitar que o mulherio valorizasse maus exemplos.

Mas não. Deixaram passar a pílula anticoncepcional, o seriado “Malu Mulher”, a lei Maria da Penha. Só podia acabar em “Bruna Surfistinha”.

Eis que nossas famílias agora estão assim, desamparadas, precisando com urgência da tutela de homens sábios como Bolsonaro e Crivella. Graças a essas criaturas magnânimas, nossos filhos se sentirão tão envergonhados de serem “impróprios” que casarão com pessoas que não amam, e serão infelizes e recalcados como manda o figurino. Nossas famílias temerão a liberdade, vivendo tranquilas como gado num curral, mugindo em uníssono. O pensamento será condicionado, os questionamentos serão silenciados e as janelas que dão para o mundo, cerradas. Deem-se as mãos, irmãos. Não precisamos de arte, pesquisa, abertura. Não precisamos de empatia e de informação. É perigoso conhecer novas culturas, descobrir como vivem e sentem as pessoas que não são como nós. Fechem os olhos, apaguem a luz. Repitam: só há uma única maneira de ser feliz, nenhuma outra. A maneira certa é a de quem traz a Bíblia embaixo do braço, sem precisar ler mais livro algum. Acreditem na sorte que tivemos: o mito veio nos salvar da tentação de sermos independentes. Entreguemos a Deus e aos Estados Unidos os nossos desejos, confiemos cegamente no Paulo Guedes e no Moro, e rezemos.

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