Paulo Leminski foi um dos mais expressivos poetas de sua geração. Sua obra literária estabelece um interessante diálogo com a música, a publicidade e o humor.

Muitos autores afirmam que é complexo classificar o tipo de poesia que Paulo Leminski desenvolveu. Isso acontece porque ele se enamorou por muitas vertentes: MPB, tropicalismo, modernismo, poesia marginal, concretismo e algumas características da literatura japonesa. Essa última, além de ser responsável pelos inteligentes e divertidos haicais leminskianos, revelou que o autor também foi um exímio tradutor, visto que Matsuo Bash?, pioneiro na escrita de haicais no Japão, teve obras traduzidas pelo nosso haicaísta brasileiro. (1)

Selecionamos alguns dos melhores poemas que são destaques da obra de Paulo Leminski. Nossa intenção é fazer com que vocês percebam a singularidade na escrita desse autor que tanto flertou com diversos recursos da linguagem e enriqueceu a literatura brasileira com um estilo poético único.

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Perto do osso a carne é mais gostosa

Sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa.

Amor Bastante

Quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante.

O que quer dizer

O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Pergunte ao pó

cresce a vida
cresce o tempo
cresce tudo
e vira sempre
esse momento

cresce o ponto
bem no meio
do amor seu centro
assim como
o que a gente sente
e não diz
cresce dentro

A poesia de amor de Paulo Leminski

Leminski foi casado com a também poeta, Alice Ruiz por mais de duas décadas. Ele sabia falar de amor de formas subversivas, com recursos visuais diferenciados e uma estética literária bem lúdica, concretista.(2)

Eu tão isósceles
Você ângulo
Hipóteses
Sobre o meu tesão

Teses sínteses
Antíteses
Vê bem onde pises
Pode ser meu coração

O amor, esse sufoco,
agora a pouco era muito,
agora, apenas um sopro.
Ah, troço de louco,
corações trocando rosas
e socos.

AMOR

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

AMOR BASTANTE

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

“Amor, então, também, acaba?
Não, que eu saiba. O que eu sei
é que se transforma numa matéria-prima
que a vida se encarrega de transformar em raiva.
Ou em rima.”

A poesia marginal de Leminski em “Toda Poesia”

Nos anos 70, o Brasil ainda vivia em uma ditadura e um grupo de artistas, incluindo Leminski, criou um movimento que ficou conhecido como o dos “poetas marginais”. Propunha uma revolução literária em que artistas (à margem do cânone nacional) criavam e distribuíam suas obras a baixo custo de forma independente.

Leminski foi uma das principais vozes da poesia marginal e alguns de seus poemas mais espontâneos, criativos e políticos foram criados nessa fase. Retiramos alguns deles da coletânea de seus escritos chamada “Toda Poesia”, lançada pela Companhia das Letras em 2013.

“vazio agudo
ando meio
cheio de tudo”

”Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.

Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.”

fonte:Pensar Contemporâneo