Chagall, Dalí e Léger são as estrelas de exposição na Casa Roberto Marinho

Exposição leva ao público, de sexta-feira até outubro, 150 obras de 28 artistas estrangeiros de estilos variados que fazem parte da coleção do empresário e jornalista

Exposição na Coleção Roberto Marinho: obra sem título de Raoul Dufy Foto: DIVULGAÇÃO/© Dufy, Raoul/ AUTVIS, Brasil, 2019. / Divulgação
Exposição na Coleção Roberto Marinho: obra sem título de Raoul Dufy Foto: DIVULGAÇÃO/© Dufy, Raoul/ AUTVIS, Brasil, 2019. / Divulgação

Arnaldo Bloch, Especial para O GLOBO

RIO – A chuva e a ventania da última terça-feira enchiam os jardins da Casa Roberto Marinhode mistério e transitoriedade. Lá dentro eram dados os últimos retoques na exposição “Estrangeiros na coleção Roberto Marinho ”, que será aberta nesta sexta-feira para o público. É a terceira coletiva desde que o espaço no Cosme Velho onde residiu o jornalista e empresário que morreu em 2003 foi transformado num instituto cultural, que já recebeu 73 mil visitantes. Ao contrário das demais mostras, centradas no cerne da sua coleção de 1.100 obras — dominado pelo modernismo e pelo abstracionismo informal brasileiros —, as 150 joias do tesouro estrangeiro exibidas, pontuadas por Marc Chagall , Salvador Dalí , Férnand Léger e uma impressionante paisagem com natureza morta ao relento do greco-italiano de Giorgio De Chirico — são compatíveis com a cadência caótica da tarde chuvosa. Refletem um olhar plural, até aleatório, diferente da cautela do colecionador sistemático de seus anos de formação.

“Emprestador costumaz”

Tal intuição levou Marinho, um “emprestador contumaz” de obras, nas palavras do responsável pela coleção, Joel Coelho, a recusar-se a ceder quatro de suas telas de Manabu Mabe para uma retrospectiva do japonês em Tóquio em 1979. Como se antevisse o sumiço do avião que deveria trazer de volta 53 pinturas do artista que, com isso, perdeu para sempre sua produção mais significativa. Assim, 24 sobreviventes do melhor Mabe integram o grupo de estrangeiros radicados no Brasil da coleção, abrindo espaço às esculturas engajadas do polonês Frans Krajcberg, tirando da obscuridade a italiana Maria Polo e, apesar de seu coração não bater forte pelos construtivos, admitindo o austríaco Franz Weissman.

— Roberto Marinho viajava muito de navio à Europa. Tinha que ficar um tempo. Ele e dona Estela, sua primeira mulher, vital na formação de seu gosto por arte, visitavam bienais, grandes mostras, galerias. Mas muita coisa era comprada aqui, de conhecidos, famílias e críticos. O conjunto de Jean Cocteau que está nessa exposição, ele obteve ajudando um amigo colecionador em dificuldades — relata Joel.

O empresário, contudo, não realizou um de seus maiores sonhos. Na década de 1950 esteve numa exposição do escultor Henry Moore e fascinou-se. Por algum motivo, o momento passou. Segundo Joel, até a virada do novo milênio, ele lhe pediu que conseguisse uma escultura do artista britânico, que desejava instalar no jardim. Mas não foi possível.

Wakabayashi, Moriconi e Debret

A aleatoriedade se traduz na montagem da exposição, que, apesar de ter setores sugeridos (estrelas, clássicos, franceses, italianos, abstratos, radicados) não traz títulos nas estruturas. Em vez disso, resumos biográficos com fotos em P&B dos artistas dão uma pegada pop que diverte sem poluir.

Esta montagem mais livre permite instigantes associações, algumas intencionais, por afinidade — como duas figuras femininas em poses e contornos muito parecidos, de Dalí e de Marie Laurencin, lado a lado. Outras, casuais, como a irresistível semelhança entre duas esferas seccionadas, uma em óleo sobre tela, de Kazuo Wakabayashi, 1983, outra no topo de uma escultura metálica de Roberto Moriconi, de 1973.

Toda essa pluralidade proporcionada por olhares de estrangeiros alheios ao Brasil e de imigrantes que o escolheram como sua casa, desaguam no olhar de um visitante bem conhecido, mas jamais exposto de forma tão extensa: os originais das 93 litogravuras aquareladas de Jean-Baptiste Debret , do álbum “Voyage pittoresque et historique au Brésil”. O riquíssimo panorama traz uns poucos, e saborosos, exageros. Isso ocorre em trabalhos feitos já na França a partir de croquis aqui recolhidos — como uma correria de índios a cavalo nos trópicos que faz pensar, nas palavras do curador, nos filmes de John Ford. Ou guardiões indígenas com bigodes e barbichas mandarins que poderiam remeter ao gosto dos artistas da época por absinto.

Por outro lado, denuncia, já no século XIX, a barbaridade da convivência das famílias dos engenhos com crianças escravas incorporadas como se fossem animais domésticos, a magreza de carne e osso dos negros recém-chegados ao Valongo, a crueza de usos e costumes. Depois do encanto colorido das salas precedentes, funciona como um salutar soco na cara em tons pastéis, e volta o olhar do visitante para um Brasil tão imemorial quanto presente.

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