Boicote de Raquel Dodge faz o coordenador da operação Lava Jato abandonar o cargo

O coordenador da força-tarefa da Lava-Jato na PGR, José Alfredo de Paula Foto: Valter Campanato / Valter Campanato/Agência Brasil

Insatisfeito com a lentidão, João Alfredo de Paula já se afastou

Aguirre Talento
O Globo

Em mais um capítulo na sucessão da Procuradoria-Geral da República ( PGR ), o coordenador do grupo de trabalho da Operação Lava-Jato na PGR, José Alfredo de Paula , pediu exoneração do cargo e deixou a função na última sexta-feira, a dois meses do fim da atual gestão da procuradora-geral, Raquel Dodge .

Sua saída amplia o desgaste interno de Dodge e representa a perda de um dos postos mais importantes da sua gestão, em um momento no qual ela se articula por uma recondução ao cargo por fora da lista tríplice. O procurador José Alfredo havia sinalizado antes que ficaria no cargo até setembro, quando termina a atual gestão, mas acabou antecipando sua saída oficialmente por motivos pessoais.

RITMO LENTO – Interlocutores do procurador afirmam que ele estava insatisfeito com o ritmo lento das investigações, emperradas devido ao excesso de centralização do gabinete de Raquel Dodge, e com a tentativa de recondução fora da lista tríplice.

Um dos casos represados por ela é a delação premiada do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Assinada em dezembro por Dodge, a delação está parada em seu gabinete desde o fim de janeiro.

Dodge até hoje não mandou o material para homologação (aval jurídico) do ministro relator no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, o que impede o prosseguimento das investigações. A delação de Léo Pinheiro atinge integrantes do mundo político e do Judiciário, que são valiosos aliados de Dodge no processo de recondução ao cargo.

RECLAMAÇÕES – Procuradores reclamam que a PGR tem sido lenta, na atual gestão, no andamento das investigações de autoridades com foro. A queda na assinatura de acordos de delação premiada também ocorreu. De janeiro até 31 de maio deste ano, segundo o gabinete do ministro Edson Fachin, do STF, a PGR instaurou apenas três inquéritos no âmbito da Lava-Jato e não fechou delação.

Em março, a força-tarefa da Lava-Jato no Paraná anunciou a intenção de criar um fundo que administraria cerca de R$ 2,5 bilhões pagos pela Petrobras à Justiça americana pelo prejuízo aos investidores da estatal. A ideia de criar um fundo privado recebeu críticas, o que fez os procuradores recuarem. Dodge foi além da crítica: foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a iniciativa.

VAZAMENTOS – Um dos mais recentes atritos entre a chefe da PGR e os procuradores de Curitiba foi a reação aos vazamentos das mensagens trocadas entre integrantes da força-tarefa. Os procuradores têm se queixado de pouco apoio e reclamam que Raquel Dodge não se pronunciou publicamente em defesa deles. Hoje, ela recebe os procuradores de Curitiba e deve tratar do tema.

PRIMEIRA CRÍTICA – Se Raquel Dodge não fez ainda uma defesa enfática dos procuradores da Operação Lava-Jato no caso das mensagens vazadas, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) fez ontem a primeira manifestação em tom crítico sobre o caso oriundo de um órgão do Ministério Público Federal. A nota da PFDC diz que o combate à corrupção não pode ser feito com a “quebra de princípios” constitucionais.

Procurada nesta segunda-feira, a PGR não respondeu até a conclusão desta reportagem. Quando fez um balanço do seu primeiro ano de gestão, Dodge anunciou que apresentou 46 denúncias contra políticos com foro privilegiado e negou uma diminuição no ritmo da Lava-Jato. Disse ainda que um dos focos do trabalho tem sido acompanhar o cumprimento dos acordos de delação já assinados anteriormente.

MARCHA LENTA – Dados divulgados pelo gabinete de Fachin sobre os processos da Lava-Jato no Supremo, com atualização até 31 de maio deste ano, comprovam a diminuição no ritmo da operação. Não houve, por exemplo, nenhuma delação premiada homologada em 2019 e foram apenas três inquéritos instaurados pela PGR neste ano, segundo as estatísticas.

O ex-coordenador José Alfredo comandava o grupo de procuradores da PGR responsáveis pelas investigações de políticos com foro privilegiado na Lava-Jato e também articulava o diálogo da PGR com as forças-tarefas da operação nos estados. Passavam por ele as negociações dos acordos de delação premiada, oferecimentos de denúncias, pedidos de operações policiais e de quebras de sigilo, dentre outras medidas.

BRANQUINHO SAI – Ele era subordinado à procuradora Raquel Branquinho, secretária da Função Penal Originária no STF, que cuida das investigações criminais relacionadas a pessoas de foro privilegiado em andamento na PGR. Branquinho já avisou aos colegas que deixará o cargo em setembro, ao fim da gestão atual, independentemente de uma recondução de Dodge.

Na semana passada, José Alfredo comunicou a Dodge e às forças-tarefas da Lava-Jato que deixaria o cargo na sexta-feira. Agora, ele voltará a exercer a função de procurador regional da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, onde está originalmente lotado.

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