O ‘plebiscito’ sem urnas que pode definir o futuro do Brasil

Nas ruas, discute-se menos, ao que parece, a veracidade dos diálogos e mais se Moro ‘fez o que tinha que fazer’

O ‘plebiscito’ sem urnas que pode definir o futuro do Brasil
Um plebiscito sem urnas, mas com medição no ‘olhômetro’ de salvas de palmas (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Hugo Souza

“O aposentado Carlos Sato, 68, resumia o sentimento de muitos amigos sobre os diálogos vazados que colocaram Moro na berlinda: ‘Se ele falou mesmo tudo aquilo, fez bem. Se for pra tirar a petralhada bandida, não vai ser na meiguice. Com quem joga sujo você não pode dar mole’”.

Esse trecho é de uma das muitas reportagens publicadas nessa segunda-feira, 1º de julho, pela imprensa brasileira sobre as manifestações de domingo, 30, em defesa da Operação Lava Jato, em geral, e do ministro e ex-juiz Sérgio Moro, em particular, após os vazamentos das conversas privadas entre procuradores da Lava Jato, e entre Moro e o chefe desses procuradores, Deltan Dallagnol.

Nas aspas do aposentado Carlos Sato, sobre o “sentimento” que ele compartilha com muitos amigos, estão implícitos os termos de uma espécie de “plebiscito” sem urnas que, ao que tudo indica, poderá ser o desfecho da crise político-institucional brasileira, que vem desde 2016; que poderá definir drasticamente, talvez dramaticamente, o futuro do país.

“O ministro da Justiça Sérgio Moro adotou a estratégia de transformar o vazamento de conversas atribuídas a ele, quando juiz, numa espécie de plebiscito dos que são contra e dos que são a favor da Lava Jato”, disse o Estadão.

Um plebiscito sem urnas, mas com medição no “olhômetro” de salvas de palmas; com medição do sentimento não só dos amigos do aposentado Carlos Sato, mas do “sentimento social”, nas palavras do ministro do Supremo Luís Roberto Barroso.

Após as manifestações desse domingo em seu apoio, que apelaram para uma radicalização ainda maior da situação política no Brasil – com ataques ao Congresso, ao Supremo e à imprensa -, Moro se mostrou confiante, orgulhoso e confortável com esse pacote completo: “Eu vejo, eu ouço”.

É o “olhômetro” já a todo vapor.

Um outro ministro do Supremo, Luiz Fux, protagonizou uma prévia, ou uma parcial desse plebiscito. Após revelação de conversa via Telegram em que Dallagnol relatou a Moro, então juiz, que Fux tinha se colocado à disposição da Lava Jato, o ministro foi aplaudido num voo de Brasília para o Rio de Janeiro, com direito a alguns passageiros gritando, repetindo a resposta de Moro a Dallagnol naquele chat: “in Fux we trust”.

Sintonia

A estratégia de Moro e dos procuradores da Lava Jato diante da gravidade dos diálogos vazados – a ponto de a OAB pedir o imediato afastamento de Moro e Dallagnol de suas funções públicas – foi, primeiro, a de tentar desqualificar o material como fruto de “ataque hacker” e minimizar o teor do material como nada demais, ou, nas palavras de Moro, material que mostra apenas “agentes públicos no exercício legítimo de suas funções”.

Se, num primeiro momento após os vazamentos, Moro dizia que partes dos diálogos podem ter sido adulteradas, agora Moro e Dallagnol já negam a autenticidade do material como um todo.

A mudança se deu após uma procuradora, Monique Cheker, negar veementemente que tenha digitado o que o Intercept diz que ela digitou. Monique é a procuradora que, tempos atrás, insinuou que ministros do Supremo recebiam propina de políticos; é a mesma que, quando Lula foi preso, causou polêmica ao dizer, irônica, que ele estava sendo encaminhado para exame de alcoolemia.

Sendo como for, trata-se de uma mudança de estratégia que parece visar mais os problemas institucionais que a Lava Jato e seus protagonistas possam ter por causa dos vazamentos, e menos problemas, digamos, “sociais”. Nas ruas, ao que parece, discute-se menos a veracidade dos diálogos e mais se Moro “fez o que tinha que fazer” contra “a petralhada bandida”.

É o “plebiscito” já a todo vapor.

Para Barroso, a Constituição deve ser interpretada “em sintonia com o sentimento social”. Dentre os vários sentimentos sociais, há o apoio incondicional à Lava Jato. É a esse apoio incondicional que Barroso se refere. Esse apoio incondicional ora flerta, para usar uma palavra gentil, com a implosão do próprio Supremo. Incondicional, em Direito, significa arbítrio e exceção.

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