‘Nosso protesto será exibir um filme foda sobre o Brasil’, diz Kleber Mendonça sobre ‘Bacurau’ em Cannes

Ficção científica do diretor e de Juliano Dornelles disputa a Palma de Ouro; filme de Karim Aïnouz está em mostra

Cartaz de 'Bacurau' Foto: DivulgaçãoCartaz de ‘Bacurau’ Foto: Divulgação

Por Fabiano Ristow – O Globo

O cineasta pernambucanoKleber Mendonça Filho está de volta ao Festival de Cannes este ano (14 a 25 de maio), com a ficção científica ” Bacurau “, que dirigiu ao lado de Juliano Dornelles . Parte dos títulos em competição pela Palma de Ouro foi anunciada na manhã desta quinta-feira. Outros três filmes com DNA brasileiro estarão presentes no festival, incluindo o novo do cearense Karim Aïnouz.

Os diretores e roteiristas descrevem “Bacurau” como um filme de aventura ambientado no Brasil “daqui a alguns anos”. A trama gira em torno de um pequeno povoado do serta?o cuja tranquilidade é ameaçada após a morte, aos 94 anos, de Dona Carmelita, mulher forte e querida por quase todos. Dias depois, os moradores de Bacurau percebem que a comunidade não consta mais nos mapas.

Estrelado pela brasileira Sonia Braga e pelo alemão Udo Kier, o filme mistura gêneros como terror, ficção científica e western.

Cena de 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Foto: Divulgação
Cena de ‘Bacurau’, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Foto: Divulgação

Da França, onde finaliza “Bacurau”, Kleber Mendonça Filho disse que a seleção significa levar um produto brasileiro com valor cultural e de mercado para a vitrine mais prestigiosa do mundo.

— A seleção para competir em Cannes não está à venda, e isso é fantástico. Encontro-me numa posição de prestígio que não reflete a maneira inadequada com a qual nosso país olha para a cultura. O Brasil está desmoronando as estruturas que asseguram a produção cultural. Espero que esse momento seja produtivo para o governo rever seu posicionamento em relação ao setor — declarou Mendonça Filho.

Produtora de “Bacurau” e outros filmes de Kleber Mendonça Filho, Emilie Lesclaux vê um timing “perfeito” na estreia em Cannes.

— Neste momento, a cultura está praticamente sendo jogada no lixo, com cortes de verbas e extinção do Ministério da Cultura. Então a notícia de hoje mostra a importância e o vigor do nosso cinema — afirmou a produtora.

“Bacurau” foi rodado no Sertão do Seridó, divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba, há um ano, o que se traduziu em desafios logísticos.

'Bacurau': Os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, e a produtora Emilie Lesclaux no set Foto: Victor Jucá / Divulgação
‘Bacurau’: Os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, e a produtora Emilie Lesclaux no set Foto: Victor Jucá / Divulgação

— Filmar longe do Recife, ao contrário de “Aquarius” e “O som ao redor”, era uma novidade para a gente. Esse é um filme maior do que os outros em todos os sentidos, porque tem elenco grande, locações distantes e elementos de ação e efeitos especiais. Também enfrentamos problema com chuvas, o que é atípico nessa região, mas no fim deu tudo certo — lembra Emilie.

Na última vez em que esteve em Cannes, Kleber e a equipe de “Aquarius” (2016) fizeram um protesto no tapete vermelho contra o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Eles levantaram cartazes em que denunciavam um “golpe” em andamento no Brasil. Foi a última vez que o Brasil entrou na disputa pela Palma de Ouro.

Mendonça Filho afirma que não há manifestação prevista para o mês que vem.

Sonia Braga, em cena de 'Bacurau' Foto: Cinemascópio / Divulgação
Sonia Braga, em cena de ‘Bacurau’ Foto: Cinemascópio / Divulgação

— A diferença é que, em 2016, quisemos informar ao mundo que o rito democrático não estava sendo cumprido no Brasil. Hoje, por outro lado, o mundo tem pleno conhecimento (do que está acontecendo no país) . Nosso protesto é apresentar um filme foda sobre o Brasil e exibi-lo em Cannes — concluiu o cineasta, recusando-se a dar mais detalhes sobre a trama de “Bacurau”. — Digo apenas que é um filme sobre o Brasil e o mundo de hoje. E há elementos de gênero que vêm de todos os filmes que sempre amei.

Mendonça Filho e Juliano Dornelles vão enfrentar uma forte competição, que inclui nomes como Pedro Almodóvar (“Pain and Glory”), os Irmãos Dardenne (“Young Ahmed”), Xavier Dolan (“Matthias and Maxime”), Ken Loach (“Sorry we missed you”) e Terrence Malik (“A hidden life”), entre outros (veja abaixo a lista divulgada até agora).

Também consta na lista “O traidor”, do diretor italiano Marco Bellocchio , uma coprodução entre Itália, Brasil, Alemanha e França. Parte das filmagens aconteceu no Rio, com a atriz Maria Fernanda Cândido. O longa aborda a vida de Tommaso Buscetta, mafioso que delatou a Cosa Nostra.

Karim Aïnouz na mostra Un Certain Regard

'A vida invisível de Eurídice Gusmão' Foto: BRUNO MACHADO / Divulgação
‘A vida invisível de Eurídice Gusmão’ Foto: BRUNO MACHADO / Divulgação

“Bacurau” não é o único brasileiro no festival francês deste ano. ” A vida invisível de Eurídice Gusmão “, de Karim Aïnouz, foi selecionado para a mostra paralela Un Certain Regard (Um Certo Olhar).

Esta é a terceira vez que Karim Aïnouz tem um longa selecionado para Cannes. A primeira foi com “Madame Satã” (2002) e a segunda, com “O abismo prateado” (2011). O diretor cearense, que vive na ponte aérea Fortaleza-Berlim, está na capital germânica terminando de mixar “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, uma co-produção Brasil-Alemanha.

Adaptação do livro homônimo de Martha Batalha, o filme fala da relação entre duas irmãs, Guida (Julia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte e Fernanda Montenegro, que faz a personagem após uma passagem de tempo).

— É um dos três grandes festivais de cinema do mundo, com uma seleção muito rigorosa… É uma vitrine gigante para o longa — comemora o diretor cearense. — É como se o filme estivesse em um berçário de luxo (risos ), a gente fica com a expectativa de que a criança vai crescer bem… É um ponta-pé inicial sem igual.

Após o anúncio de que o filme havia sido selecionado para Cannes, Aïnouz mandou flores para Fernanda Montenegro.

— Ter a Fernanda no elenco é um sonho que todo diretor quer realizar, uma alegria… Estou louco para falar com ela, para ouvir a voz dela. E  estarmos juntos em Cannes seria um outro sonho. Já fiz o convite – conta o diretor, confirmando que Julia e Carol  irão acompanha-lo na premiação.

“A vida invisível de Eurídice Gusmão” tem produção do carioca Rodrigo Teixeira, que se tornou figura conhecida em Hollywood por coproduzir projetos como “Me chame pelo seu nome” (2017), “Frances Ha” (2012) e “A bruxa” (2015), entre outros. Outro projeto de sua empresa, a RT Features, está na disputa da mostra Um Certo Olhar. Trata-se de “Port Authority”, de Danielle Lessovitz, que também conta com produção de Martin Scorsese.

— É incrível estar na seleção oficial e na Un Certain Regard — diz Teixeira, ao GLOBO. — Fazer cinema é uma grande batalha no Brasil, então o reconhecimento de Cannes é muito importante. Além disso, poder levar Fernanda Montenegro ao festival é um prazer imensurável.

O diretor mexicano Alejandro G. Iñárritu, de “O regresso” (2015) e “Birdman” (2014), vai presidir o júri da competição principal. Já a libanesa Nadine Labaki, de Cafarnaum (2018), ficará responsável pela Un Certain Regard.

Ao anunciar a programação, o diretor artístico do festival, Thierry Fremaux, destacou a inclusão de 13 cineastas mulheres na seleção oficial, sendo que quatro delas estão com obras em competição pela Palma de Ouro. Cannes recebeu críticas no passado pela falta de diversidade de gênero entre os selecionados. Em 2018, uma manifestação promovida por artistas no tapete vermelho chamou atenção para o número de mulheres que já disputaram a Palma na história do evento: apenas 82.

Pelo segundo ano consecutivo, nenhum filme da Netflix entrou no line-up — o que significa que títulos de peso, como “O irlandês”, de Martin Scorsese, não serão exibidos em Cannes. Na coletiva, Thierry Fremaux deixou claro que as regras não permitem a inclusão de longas de streaming na competição oficial.

O resto dos filmes que vão compor a programação será revelado em data a definir. Uma ausência bastante sentida foi a de “Era uma vez em Hollywood”, de Quentin Tarantino. Segundo Fremaux, o longa está sendo finalizado e ainda pode ser selecionado.

Veja a lista de filmes selecionados para Cannes:

Competição

“Pain and Glory”, Pedro Almódovar
“O traidor”, Marco Bellocchio
“Wild Goose Lake”, Yinan Diao
“Parasite”, Bong Joon-ho
“Young Ahmed”, Irmãos Dardenne
“Oh Mercy!”, Arnaud Desplechin
“Atlantique”, Mati Diop
“Matthias and Maxime”, Xavier Dolan
“Little Joe”, Jessica Hausner
“Sorry we missed you”, Ken Loach
“Les Miserables”, Ladj Ly
“A hidden life”, Terrence Malik
“Bacurau”, Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles
“The Whistlers”, Corneliu Porumboiu
“Frankie”, Ira Sachs
“The dead don’t die”, Jim Jarmusch (filme de abertura)
“Portrait of a Lady on Fire”, Celine Sciamma
“It Must Be Heaven”, Elia Suleiman
“Sybil”, Justine Triet

Fora de competição

“Rocketman”, Dexter Fletcher
“The best years of life”, Claude Lelouch
“Maradona”, Asif Kapadia
“La Belle Epoque”, Nicolas Bedos
“Too old to die young”, Nicolas Winding Refn (série de TV; dois episódios)

Sessões especiais

“Share”, Pippa Bianco
“Family Romance LLC”, Werner Herzog
“Tommaso”, Abel Ferrara
“To be alive and know it”, Alain Cavalier
“For Sama”, Waad Al Kateab e Edward Watts

Sessões de meia-noite

“The dangster, the cop, the devil”, Lee Won-Tae

Un Certain Regard

“A vida invisível de Eurídice Gusmão”, Karim Aïnouz
“Beanpole”, Kantemir Balagov
“The swallows of Kabul”, Zabou Breitman e Eléa Gobé Mévellec
“A brother’s love”, Monia Chokri
“The climb”, Michael Covino
“Joan of Arc”, Bruno Dumont
“A sun that never sets”, Olivier Laxe
“Chambre 212”, Christophe Honoré
“Port Authority”, Danielle Lessovitz
“Papicha”, Mounia Meddour
“Adam”, Maryam Touzani
“Zhuo Ren Mi Mi”, Midi Z
“Liberte”, Albert Serra
“Bull”, Annie Silverstein
“Summer of Changsha”, Zu Feng
“EVGE”, Nariman Aliev

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