A importância do acaso. Por Affonso Romano Sant’anna

a-importancia-do-acaso---affonso-romano-sant-anna

     Dorival Caymmi é que cantava: “Mas como o acaso é importante, querida, de nossas vidas a vida fez um brinquedo também”… Esses versos vieram-me à cabeça, por acaso, porque estava lendo um livro que comprei, não por acaso. É que o autor falava de uma série de descobertas feitas na ciência, muitas por acaso. Mas fica claro que só puderam se transformar em descobertas científicas porque o acaso estava sendo observado por pessoas que têm pelo acaso um respeito nada ocasional.

Aquela maçã que, dizem, caiu na cabeça do Newton por acaso, fazendo com que ele deduzisse coisas sobre a lei da gravidade, pode ter caído por acaso, concordo, mas não foi por acaso que ele tirou disso grandes ilações. Não é de hoje que maçãs e até gigantescas jacas desabam sobre cabeças e nem por isso a ciência progride. Igualmente aquela estória de Arquimedes mergulhado na banheira e, de repente, descobrindo, por acaso, que o fato de seu corpo boiar explicava muita coisa que interessa à ciência dos fluidos, da navegação e da irrigação. Só as pessoas atentas podem perceber o acaso.

Só as pessoas que procuram o sentido das. Coisas podem converter o acaso em informação. Leio que dois rádioastrônomos, Wilson e Penzias, em Nova Jersey, estavam tentando usar uma antena poderosa quando, estranhamente, começaram a perceber que havia um ruído, um zumbido inexplicável zanzando por ali.Pensaram que era alguma sujeira no material ou má conexão de tomadas. Não era. Estavam, por acaso, ouvindo sons que ajudavam a medir o limite do universo. E nem sabiam que era isso que estavam ouvindo. Só se deram conta da importância da descoberta involuntária que fizeram quando conversaram com outros cientistas e acabaram vendo a repercussão disso no New York Times. Resultado: ganharam o Nobel de Física de 1978.

Não é por acaso que cientistas e artistas se interessam tanto pelo acaso.É que não basta ficar ali, racional e objetivamente, querendo tirar leite da pedra e minhoca do asfalto. Agente tem que deixar a atenção repousar, ficar provisoriamente irresponsável. Deixar o acaso trabalhar. O radar está ligado e, de repente, pimba! Oba! Eureka! Surge á solução de um problema, de um poema, de uma obra. É o famoso estalo, insight ou epifania que, dizem, ocorreu com o lendário Padre Vieira. Acho que os pescadores entendem bem do que estou falando. Eles não sabem muito bem o que está ocorrendo sob as águas, mas jogam o anzol com a isca e ficam ali distraídos, quer dizer, numa atenta distração.

Aliás, também Clarice Lispector, por acaso me lembro, usou essa metáfora do pescador para falar do processo criativo. Agente tem que fingir que está “distraído”. Distraído, mas, como diz uma amiga, “com a atenção de bode na canoa”. Temos que ter certa reverência pelo acaso. Até no amor. Agente topa, por acaso, com as pessoas mais diversas nas esquinas, coquetéis, festas,blogs,internet e de repente uma capta nossa atenção, nos’ fisga, nos arrebata. Por acaso? Tem gente que por urgente acaso acredita no horóscopo, cartomante, etc. É que as pessoas procuram essas assessorias quando estão ao léu da sorte, mais fragilizadas. E quando se está mais fragilizado, o acaso e a possibilidade viram certeza.

Mas aí já é um perigo, porque sair procurando sinais reveladores em tudo o que se vê pode confundir a recepção da mensagem por vir. O bom é encontrar fora aquilo que se procura dentro da gente. Ou, como diziam nossos pais: quem procura, acha. Às vezes, claro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *