Como foi o jantar que pareceu ser oferecido ao ideólogo, e não ao presidente Jair Bolsonaro
O jantar oferecido na residência do embaixador brasileiro em Washington, Sérgio Amaral, na noite de domingo 17, colocou frente a frente expoentes das duas alas que duelam por influência no governo Jair Bolsonaro. De um lado, o escritor Olavo de Carvalho, mentor do grupo ideológico; de outro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, general de quatro estrelas que comanda a tropa militar que atua no Planalto. Um dia antes, o ideólogo afirmara na capital americana que Bolsonaro está rodeado por militares com “mentalidade golpista”.
O clima, segundo observou um convidado a ÉPOCA, era tenso, como se os militares tivessem entrado de penetras em uma festa particular da turma ideológica. O jantar reuniu a comitiva do presidente, o escritor Olavo de Carvalho e pensadores da direita americana, como o ex-estrategista de Donald Trump Steve Bannon, o acadêmico Walter Russell Mead, a colunista do Wall Street Journal Mary Anastasia O’Grady e o editor da revista literária The New Criterion , Roger Kimball.
Pouco antes de o jantar ser servido, Heleno tomou a iniciativa de buscar a aproximação com o escritor. O chefe do GSI puxou assunto dizendo que só o conhecia pela mídia e emendou com uma tentativa de afago a Carvalho. “Certamente nos daremos bem pessoalmente”, disse Heleno. Ao melhor estilo fanfarrão que lhe dá fama no Twitter, o escritor retrucou: “Não sou o monstro que dizem que sou”.
Todos riram à volta, mas a noite não era mesmo dos militares, em menor número. Quando o presidente Bolsonaro chegou à residência do embaixador, todos os convidados o esperavam em um semicírculo em que Olavo de Carvalho era o centro. Bolsonaro e os ministros cumprimentaram Steve Bannon. Em seguida, o presidente se dirigiu para cumprimentar rapidamente Carvalho. O porta-voz Otávio do Rêgo Barros confirmou que eles não conversaram separadamente durante todo o jantar.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se juntou ao deputado federal Eduardo Bolsonaro em uma conversa com Steve Bannon e Chris Buskirk, editor do site American Greatness (Grandeza americana)
Quando todos se juntaram, Paulo Guedes puxou a sucessão de elogios a Carvalho e o classificou como “o líder da revolução”. “Você é o líder da revolução”, disse Guedes, atribuindo a Carvalho um papel importante da divulgação de ideias liberais para os brasileiros, o que, segundo ele, foi fundamental para a eleição do presidente Bolsonaro.
Sergio Moro, que já foi alvo das críticas de Carvalho e seus seguidores pela indicação da especialista Ilona Szabó como suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, seguiu a adulação ao escritor. Disse que era uma honra conhecer alguém que inspirou tanta gente, incluindo “o chefe”, referindo-se ao presidente Bolsonaro. O ministro ainda mencionou que havia gostado muito do livro O jardim das aflições , mas confessou que o achara “muito denso”.
“Em grande parte, devemos a ele a revolução que estamos vivendo”, disse o presidente.
Questionado pelo embaixador Sérgio Amaral sobre a atual situação política no mundo, Olavo de Carvalho citou a eleição de Bolsonaro, a de Trump, o Brexit e o movimento dos coletes amarelos na França como parte de “uma revolução popular contra as elites”, mas que, para “a surpresa dos progressistas, o povo é extremamente conservador e rejeita as ideias e os valores progressistas das elites”.
Em sua fala, o escritor ainda atacou a mídia, dizendo que jornais influenciam apenas a elite, “que continua numa bolha e não entende a revolução popular que ocorre diante dos olhos dela”.
Todos os ministros falaram no jantar, mas a noite se encerrou com uma discussão sobre as relações com China, levantada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Steve Bannon e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, defenderam que uma política que dê prioridade à China se voltará contra o Brasil.
“A culpa não é dos chineses, mas dos brasileiros que não pensam estrategicamente sobre o assunto”, arrematou o guru do Planalto.
Nesta terça-feira, Bolsonaro se encontra com Donald Trump na Casa Branca. O americano tenta atrair o Brasil para uma política de contenção à China, importante parceiro comercial para o mercado brasileiro. Militares e integrantes da área econômica veem com cautela o apoio aos Estados Unidos numa cruzada contra os chineses. Resta saber quem será ouvido pelo presidente Bolsonaro.