Metade dos passaportes dados pela Câmara é irregular, para parentes de deputados

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Deputados “conseguem” passaporte diplomático para cônjuge e filhos

Bruno Góes e Eduardo Bresciani
O Globo

Com pouco mais de um mês de trabalho, a Câmara , formada por um número inédito de deputados estreantes, eleitos com o discurso a favor de novas práticas na política, registra uma corrida por antigos privilégios. Nas últimas semanas, a Casa já concedeu, a pedido de parlamentares, 155 passaportes diplomáticos a deputados e seus familiares. Os documentos foram destinados a 78 representantes eleitos e, em uma violação das regras do governo, a 77 filhos e cônjuges dos congressistas.

Além de um decreto de 2006, uma portaria do Itamaraty de 2011 regula a emissão do documento. A regra diz que a concessão e a utilização do passaporte especial para parentes “estará vinculada à missão oficial do titular e, portanto, terá validade pelo prazo da missão”.

REGRA IGNORADA – Se um deputado passar 15 dias em visita oficial a algum país, é esse o período de validade do passaporte de seus familiares. Na prática, porém, a regra é ignorada, com documentos expedidos por até quatro anos de validade. E nem todos os requerentes utilizam o passaporte para compromissos oficiais.

Os passaportes diplomáticos oferecem privilégios a quem viaja ao exterior, como a dispensa de filas e visto para alguns países e tratamento menos rigoroso de autoridades. Enquanto o cidadão comum precisa arcar com o custo da emissão do documento de R$ 257,25, o passaporte diplomático sai de graça para autoridades, seus filhos e cônjuges.

O QUE DIZ A LEI – Em 2006, um decreto determinou que os passaportes diplomáticos poderiam ser concedidos aos congressistas. No caso de cônjuge, companheiro ou companheira e dependentes, o benefício seria regulado pelo Itamaraty. Em 2011, por meio da portaria nº 98, o Itamaraty determinou que o passaporte diplomático só pode ser concedido e utilizado quando estiver vinculado “à missão oficial do titular e, portanto, terá validade pelo prazo da missão”.

Enquanto o portador do documento comum precisa se submeter a todos os procedimentos alfandegários previstos pelas autoridades, o portador de passaporte diplomático tem privilégios no exterior, como a dispensa de filas e visto para alguns países e tratamento menos rigoroso de autoridades.

Incluindo na conta os passaportes que ainda possuem validade e foram emitidos em anos anteriores, são 917 documentos na mão de deputados, ex-parlamentares e seus filhos e cônjuges.

DIREITO IRRESTRITO? – A segunda secretaria da Câmara é responsável por pedir ao Itamaraty os passaportes solicitados pelos parlamentares. De acordo com o segundo secretário Mário Heringuer (PDT-MG), o direito de deputados e parentes para obter o documento é irrestrito. Ele diz desconhecer a regra de que parentes precisam estar em missão oficial para utilizar o documento.

— Esta é uma notícia que você está me dando. O que eu sempre soube é que os parlamentares e os filhos sempre puderam usar para qualquer situação, inclusive férias. Eu tenho um filho, por exemplo, que usou. Eu cheguei na segunda secretaria há duas semanas, vou verificar direitinho isso aí — diz o parlamentar.

DIZ RODRIGO MAIA – Em nota, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Globo que a emissão do passaporte diplomático “é um direito de todo parlamentar, assim como de seu cônjuge e filhos”. Ele acrescentou que “fazer essa solicitação ao Itamaraty é uma decisão administrativa da Câmara a fim de que todos os parlamentares disponham do documento adequado para quando precisarem viajar oficialmente”.

Desde 2014, Rodrigo Maia, além de ter o próprio passaporte, requereu o documento para os cinco filhos. Maia já viajou sete vezes ao exterior em missão oficial.

Neste ano, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, renovou o documento. Em 2014, pediu dois passaportes a dependentes, que ainda não tiveram a validade expirada. Desde 2014, Onyx só esteve em missão oficial no exterior apenas uma vez, em 2018. No fim de fevereiro daquele ano, acompanhou o então pré-candidato Jair Bolsonaro ao Japão.

O CAMPEÃO – Neste ano, o campeão em solicitação de passaportes diplomáticos é o deputado Celso Sabino (PSDB-PA): seis documentos. Em seguida, com cinco solicitações cada, estão Arthur Lira (PP-AL), Gelson Azevedo (PHS-RJ), Odair Cunha (PT-MG) e o ministro do Turismo e reeleito deputado federal, Marcelo Álvaro Antônio. Nenhum deles registra missão oficial, segundo os dados da Câmara.

Segundo assessoria do ministro, “não houve nenhuma viagem ao exterior feita pelo então deputado federal ou qualquer familiar e as solicitações foram feitas pelo gabinete parlamentar com base na legislação vigente à época”.

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