Venezuela: Crise política tem 29 mortos e ao menos 500 presos

EUA aceitam representante do governo respaldado pela Assembleia Nacional no seu território; ONG também denuncia tortura a presos políticos por forças de segurança

População em comício do líder do Parlamento, Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela Foto: ANDRES MARTINEZ CASARES / REUTERS
População em comício do líder do Parlamento, Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela Foto: ANDRES MARTINEZ CASARES / REUTERS

Por Janaína Figueiredo

Após participar de uma missa no município de Chacao, na zona metropolitana de Caracas, Guaidó pediu aos policiais e membros da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) que “não reprimam o povo”.

O Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais indica que em menos de uma semana foram assassinadas 29 pessoas (alguns falam em mais de 30) e, segundo a Foro Penal, foram registradas ao menos 500 detenções, entre elas as de muitos menores.

— Soldado venezuelano, estou falando para você, este é o momento. Não reprima o povo — declarou o presidente da AN, reconhecido como presidente interino por 18 países, incluindo Brasil e, desde este domingo, Israel.

A Foro Penal também denunciou torturas de presos políticos pelo Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin). Para esta semana, estão previstas novas marchas em Caracas para quarta-feira e sábado, convocadas pelo presidente da AN.

Guaidó mostrou-se preocupado com a repressão e anunciou que convocará uma reunião de urgência com ONGs e defensores dos direitos humanos. O presidente do Parlamento também pediu à Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, que “acelere sua visita ao país”.

“Vamos listar os nomes dos responsáveis da Força de Ações Especiais (Faes), promotores e juízes que estejam envolvidos nos massacres que começaram a partir do dia 22 de janeiro, e solicitar sanções imediatas à Justiça e à comunidade internacional”, escreveu Guaidó em uma rede social.

Clima político na igreja

Neste domingo, sua presença na igreja de Chacao foi uma surpresa, até mesmo para o padre da paróquia, Reinaldo Gamez . A igreja estava lotada, e o que mais assustou o padre, segundo contou ao GLOBO, foi a quantidade de jornalistas, locais e estrangeiros. Sem hesitar, o padre encerrou a missa saudando “o presidente interino da Venezuela”, provocando uma onda de aplausos e gritos de “liberdade”.

— Disse o que tinha de dizer, ele é constitucionalmente nosso presidente interino — enfatizou o padre.

Autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó fala a jornalistas e fãs na porta de igreja em Chacao, em Caracas Foto: LUIS ROBAYO / AFP
Autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó fala a jornalistas e fãs na porta de igreja em Chacao, em Caracas Foto: LUIS ROBAYO / AFP

Assim vive a Venezuela. Com, de um lado, Maduro, um presidente no Palácio de Miraflores que é considerado usurpador por seus opositores e cujo segundo mandato é classificado como ilegítimo por mais de 40 países; e, de outro lado, Guaidó, que nas ruas, bairros, igrejas e outros espaços de Caracas despertou entusiasmo entre críticos do governo, até mesmo chavistas, além de ter sido reconhecido como presidente interino por 19 países. Neste domingo, Austrália e Isrel anunciaram seu reconhecimento a Guaidó, se juntando a outros 16 países das Américas, incluindo Brasil e EUA e à Albânia.

Para os próximos dias é esperado o reconhecimento, como bloco, da União Europeia (UE), já que Maduro deixou claro que nao aceita qualquer tipo de ultimato para convocar novas eleições presidenciais. A exigência fora feita pela UE na sexta passada e imediatamente rechaçada pelo Palácio de Miraflores.

Oposição próxima dos EUA

O presidente da Assembleia Nacional e autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó Foto: FEDERICO PARRA / AFP
O presidente da Assembleia Nacional e autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó Foto: FEDERICO PARRA / AFP

Em sua conta na rede social Twitter, o senador americano Marco Rubio, importante aliado da oposicao venezuelana, comunicou que “o governo americano entregou o controle das contas bancárias do governo venezuelano e do Banco Central da Venezuela (nos EUA) ao governo legítimo do presidente interino (Juan Guaidó)”. Eram esperadas novas ações da Casa Branca para ampliar o cerco financiero ao governo Maduro, já que essa é uma das principais táticas do governo Trump para redobrar as pressões ao chavismo.

O governo dos Estados Unidos anunciou ainda que aceitou a designação de Carlos Vecchio como representante diplomático do “governo interino” de Juan Guaidó. A informação de que Vecchio seria o escolhido, antecipada no ultimo sábado pelo Globo, era esperada com grande expectativa pela oposição, já que os Estados Unidos têm um papel central na ofensiva contra o governo do presidente Nicolás Maduro.

Em comunicado oficial, o Departamento de Estado informou que Vecchio, exilado há quatro anos nos EUA, terá “autoridade sobre assuntos diplomáticos da Venezuela” em território americano.

Brasil e Colômbia são essenciais para que Guaidó possa implementar a abertura de um canal humanitário, medida que busca, além de aliviar o drama social que vivem milhões de venezuelanos, conseguir a adesão de setores militares ao “governo interino”.

Chave é apoio militar

Presidente Nicolás Maduro e sua mulher, Cília Flores, durante exercícios militares em 27 de janeiro de 2019 Foto: HO / AFP
Presidente Nicolás Maduro e sua mulher, Cília Flores, durante exercícios militares em 27 de janeiro de 2019 Foto: HO / AFP

A cada dia que passa, as perguntas se multiplicam, e nem mesmo os analistas mais renomados se atrevem a dizer quem vai ganhar a disputa política, tratada no último sábado no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Para Luis Vicente León, diretor da Datanalisis, a oposição nunca chegou tão longe, mas o chavismo ainda pode garantir sua sobrevivência. Ele frisa que o “governo encarregado” precisa “romper o chavismo definitivamente e, principalmente, dentro das Forças Armadas”:

— Maduro pode sobreviver com o bloqueio americano, vendendo menos petróleo e com setores populares desmobilizados, como estamos vendo. Mas não dura um dia sem apoio militar.

Guaidó está ciente disso, e neste domingo seus deputados e apoiadores trabalharam na divulgação de um projeto de lei de anistia para civis e militares. O texto foi entregue em quartéis policiais e militares. Com bandeiras venezuelanas, grupos de opositores entregaram cópias da lei à frente do Forte Tiuna, principal complexo militar venezuelano.

Alguns soldados as queimaram, outros as rasgaram. “As Forças Armadas estão com nosso comandante em chefe, Nicolás Maduro”, disse um soldado em uma rua de acesso ao comando do Exército em San Bernardino, ao norte de Caracas.

Para León, a jogada é inteligente, mas ainda é preciso negociar cara a cara com os militares — o que é dificilíssimo, pela blindagem imposta pelo chavismo e a inteligência cubana — e oferecer garantias contundentes.

— O risco de que ONGs de defesa dos direitos humanos questionem essa anistia existe. E os militares ainda não se sentem seguros — diz León.

Com informações da AFP

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