Bolsonaro enfrenta seu primeiro escândalo

Caso envolvendo repasses de assessores detectados por relatório do Coaf se torna o primeiro teste de fogo de Bolsonaro

Bolsonaro enfrenta seu primeiro escândalo
Os próximos dias prometem ser agitados para Bolsonaro (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), chegou a Brasília na manhã desta segunda-feira, 10, para dar início a três dias de agenda de transição.

Segundo o portal Congresso em Foco, às 16h ele e seu vice, Hamilton Mourão, participaram da cerimônia de diplomação que oficializou ambos como aptos a tomarem posse no dia 1º de janeiro de 2019. A solenidade contou com a presença da ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, responsável por assinar os diplomas de Bolsonaro e Mourão.

Já na terça-feira, 11, Bolsonaro e sua equipe receberão parlamentares no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do governo de transição. Segundo apurou o jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro se reunirá com líderes do PSL, do DEM, do PP, do PSB e do PSD para acertar a configuração das equipes de segundo e terceiro escalão que vão compor a base aliada de seu governo.

Os próximos dias prometem ser agitados para Bolsonaro, que enfrenta sua primeira suspeita antes mesmo da posse. Nos últimos dias, a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão detectada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) nas contas de Fabrício Queiroz, subtenente da Polícia Militar que foi ex-motorista do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) (que atualmente é deputado estadual) colocou Boslonaro no centro de uma polêmica.

O relatório

Um relatório divulgado na semana passada pelo Coaf – órgão ligado ao Ministério da Fazenda, que tem como principal missão o combate à lavagem de dinheiro e que no governo Bolsonaro passará a ser subordinado ao Ministério da Justiça – apontou que sete servidores da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), que passaram pelo gabinete de Flávio Bolsonaro, fizeram transferências bancárias para uma conta mantida por Queiroz – que serviu como assessor de Flávio Bolsonaro durante dez anos, sendo exonerado do gabinete do deputado no dia 15 de outubro deste ano. Ele também atuou como motorista e segurança de Flávio na Alerj.

Segundo o Coaf, entre os dias 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017 foram depositados na conta mantida por Queiroz valores que somam R$ 1,2 milhão. No relatório, o Coaf informou ter detectado as movimentações porque elas são “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira” de Queiroz.

No relatório, o Coaf chamou atenção para a “recorrência de transferências envolvendo servidores da Alerj”. O órgão também detectou que Queiroz fez um depósito de R$ 24 mil na conta da futura primeira-dama, Michelle de Paula Bolsonaro.

Entre os assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro citados no relatório do Coaf está a filha de Queiroz, Nathalia Melo de Queiroz – que até o mês passado era lotada no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara – a esposa do ex-motorista, Márcia Oliveira Aguiar, além dos servidores Agostinho Moraes da Silva, Jorge Luís de Souza, Luiza Souza Paes, Raimunda Veras Magalhães e Wellington Servulo Rômulo da Silva.

A reação da equipe 

O caso gerou reações diversas entre membros da equipe de Bolsonaro. Na sexta-feira, 7, o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se irritou ao ser indagado por repórteres sobre o caso e abandonou uma entrevista coletiva. Também na sexta-feira, em uma coletiva na sede do governo de transição, Moro anunciou os nomes dos futuros chefes da Polícia Rodoviária Federal, o policial rodoviário federal Adriano Marcos Furtado, e da Secretaria Nacional do Consumidor, o advogado Luciano Benetti Timm. Porém, ao ser questionado por jornalistas sobre o relatório do Coaf, ele deixou o local sem responder a pergunta.

Nesta segunda-feira, Moro rebateu as críticas a seu silêncio. Questionado novamente por jornalistas, ele afirmou considerar inapropriado, em sua posição, fazer comentários sobre casos concretos. “Eu, na verde, fui nomeado para ser ministro da Justiça. Não cabe a mim dar explicação sobre isso. Acho que o que existia de ministro da Justiça opinando sobre casos concretos é inapropriado”, disse a jornalistas.

Em seguida, Moro disse que explicações ainda precisam ser dadas. “O presidente já apresentou alguns esclarecimentos, tem outras pessoas que precisam prestar seus esclarecimentos. E os fatos, se não forem esclarecidos, tem que ser apurados”, disse Moro.

Flávio Bolsonaro se pronunciou sobre o caso através das redes sociais, saindo em defesa de Queiroz. “Fabrício Queiroz trabalhou comigo por mais de dez anos e sempre foi da minha confiança. Nunca soube de algo que desabonasse sua conduta. Em outubro foi exonerado, a pedido, para tratar de sua passagem para a inatividade. Tenho certeza de que ele dará todos os esclarecimentos”, escreveu o deputado.

Em sua primeira declaração sobre o caso, Bolsonaro afirmou que o depósito feito por Queiroz na conta de sua esposa era referente ao pagamento de um empréstimo. A explicação, no entanto, não convenceu o vice Hamilton Mourão, com quem Bolsonaro diverge desde a campanha eleitoral. Em entrevistas dadas no sábado, 8, Mourão disse que faltam explicações sobre o caso Coaf.

“O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa dizer de onde saiu este dinheiro. O Coaf rastreia tudo. Algo tem, aí precisa explicar a transação, tem que dizer. […] Ele [Bolsonaro] colocou a justificativa dele. Ele já disse que foi um empréstimo. O Queiroz precisa explicar agora”, disse Mourão.

O vice na chapa também gerou um clima desconfortável na equipe de transição. Ao ser questionado sobre o fato de Lorenzoni ter abandonado uma coletiva após ser perguntado sobre o caso, Mourão alfinetou o futuro ministro. “Ele [ Lorenzoni] tá estressado. Quando responde daquele jeito, parece que tem culpa no cartório. Quando me perguntam, eu respondo claramente, com tranquilidade. Temos que falar”, disse Mourão.

No último domingo, 9, Bolsonaro tornou a falar sobre os depósitos feitos na conta de Queiroz. “A política tem novidade a todo instante. Às vezes você tenta apagar o fogo. Um dos assessores passou R$ 800 para ele, tá ok? Outro repassou R$ 1500. Duas passaram um valor idêntico, não sei nem o que é isso, de R$ 2.300. Os três depósitos mais altos foram das filhas e da esposa. Ele tem que explicar, pode ser e pode não ser, ele que explica. Das três pessoas que passaram mais de R$ 4.000 ao longo de um ano, tem duas filhas e uma esposa. Os outros cinco, um repassou R$ 800, é repasse ao longo de um ano”, disse o presidente a jornalistas, segundo noticiou o Globo.

Bolsonaro, no entanto, não detalhou a função que a filha de Queiroz desempenhava em seu gabinete. “Pelo amor de Deus, pergunta para o chefe de gabinete. Eu tenho 15 funcionários no gabinete”, disse o presidente eleito.

Analistas apontam a necessidade de uma resposta

Segundo noticiou o Canal Meio, para analistas políticos, o relatório do Coaf configura o primeiro teste de fogo de Bolsonaro, ocorrido antes mesmo da posse. Isso porque Bolsonaro foi eleito tendo como principais bandeiras a transparência e o combate à corrupção, o que fez o caso atrair ainda mais atenção.

Vera Magalhães, do Estado de S. Paulo, criticou a postura de Lorenzoni diante do caso. “O futuro ministro Onyx Lorenzoni deixou uma entrevista coletiva no meio, na última sexta, com ares de indignação. Essa postura mostra a dificuldade de quem sempre atirou pedras de se colocar na posição de vidraça. Mas é bom o ministro já ir se acostumando. A eleição do futuro presidente e de boa parte do novo Congresso, bem como de muitos governadores, se deveu, em grande medida, à indignação com a corrupção associada a PT e seus aliados. Ao inflamar ainda mais a sociedade contra os malfeitos, Bolsonaro e seus aliados atraíram para si a expectativa de um comportamento em tudo diferente daquele que condenaram em tom tão grandiloquente. Não adianta virar as costas. Muito menos apelar para o ‘E no tempo do PT’, como também fez Onyx. Os dois truques, aliás, foram usados pelos petistas. Primeiro, afetar indignação diante das evidências de desvios em casos como o mensalão e o petrolão, por exemplo. Os petistas adoravam evocar o passado de CPIs e denúncias contra adversários do partido, antes de chegar ao poder, como se isso fosse um salvo-conduto eterno. E segundo o de, diante da denúncia, sempre trazer à baila o adversário para demonizá-lo. ‘E no tempo do Fernando Henrique?’ era o curinga que os petistas sempre tiravam da mão quando se viam em apuros. Agora, Lula está preso, deve continuar assim por um bom tempo, possivelmente terá novas condenações, o PT está fora do poder desde 2016; e Bolsonaro, Lorenzoni e outros que ascenderam justamente na onda antipetista estão no poder. Condição em que devem explicações. Não se trata de uma concessão ou de boa vontade, ministro Onyx, mas de obrigação, como o senhor corretamente sempre cobrou nas CPIs que o alçaram à fama”, escreveu Magalhães.

Já Celso Rocha de Barros destacou a necessidade de uma resposta por parte de Moro, em sua coluna no jornal Folha d e S. Paulo. “Assessor de político depositando dinheiro para a família do chefe é o tipo de coisa que dispara todos os alarmes de quem investiga corrupção. Na mesma hora em que as denúncias foram publicadas, por exemplo, o cientista político Sérgio Praça lembrou do caso do esquema de distribuição de dinheiro de PC Farias no governo Fernando Collor. E, falando em gente que investiga corrupção, o que Sérgio Moro pretende fazer? O novo ministro da Justiça não poderá continuar evitando perguntas sobre o assunto, e é bem ruim que as tenha evitado até agora”.

Já a jornalista Helena Chagas ressaltou que o mecanismo de investigações segue funcionando e não vai parar após a ascensão de Bolsonaro. “Esse foi um dos componentes importantes da eleição de Bolsonaro: o voto antipolítica e anticorrupção. […] [Bolsonaro] Não pode questionar as investigações e nem seus comandantes, não poderá sequer pedir algum alívio”, destacou a jornalista.

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