Palocci acusa Lula de interferir em fundos de pensão para bancar campanhas

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Palocci disse que o próprio Lula comandava as reuniões

Ricardo Brandt
Estadão

Em delação premiada à Polícia Federal, o ex-ministro Antônio Palocci relata suposta atuação criminosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para viabilizar o projeto de nacionalizar a indústria naval e arrecadar recursos para “quatro ou cinco” campanhas do PT – em especial, a primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010 –, à reboque da descoberta do pré-sal.

Segundo Palocci, Lula e Dilma teriam determinado indevidamente a cinco ex-dirigentes dos fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros), indicados aos cargos pelo PT, que capitalizassem o “projeto sondas” (Sete Brasil).

TUDO ILÍCITO – A operação financeira, que resultou na criação da Sete Brasil, em 2010, buscava viabilizar a construção no Brasil dos navios-sonda – embarcações que perfuram os poços de petróleo – para a Petrobrás explorar o pré-sal. A estatal anunciara em 2008 que precisaria de 40 equipamentos – no mundo, existiam menos de 100. “Dentro desse investimento, tinha todo ilícito possível”, afirmou o ex-ministro, em depoimento à PF.

As “ordens” de Lula – que, assim como Palocci, está preso e condenado pela Operação Lava Jato – eram cumpridas, diz o ex-ministro. Os presidentes dos fundos, segundo ele, “eram cobrados a investir sem analisar.”

A Polícia Federal levantou dados que corroborariam a delação ao indicar que prazos, estudos técnicos detalhados e apontamentos de riscos e prejuízos foram ignorados. O delator afirma que “todos” sabiam que estavam “descumprindo os critérios internos” dos fundos “e também gerando propinas ao partido”.

NA LAVA JATO – Cinco ex-dirigentes são citados: Sérgio Rosa e Ricardo Flores (Previ), Guilherme Lacerda (Funcef) e Wagner Pinheiro e Luís Carlos Affonso (Petros). Na sexta-feira, como parte da 56ª fase da Lava Jato, a Justiça determinou a prisão de Affonso, enquanto endereços de Pinheiro foram alvo de operações de busca e apreensão. Ambos são investigados por supostas irregularidades em obra da sede da Petrobrás na Bahia.

Palocci cita “reuniões” de Lula com os representantes dos fundos, “muitas vezes em conjunto”, outras separadamente. A delação forneceu à PF pistas para confirmação dos encontros, alguns em “reuniões oficiais” com atas. O ex-ministro afirmou ter alertado Lula sobre os riscos, por não serem “atas de reuniões, mas sim relatos de ilícitos”.

O delator disse ter sido procurado por ex-dirigentes dos fundos, que demonstraram “preocupação”. “Eles pediam para que eu ajudasse a tirar a pressão do Lula e da Dilma para que eles pudessem ter tempo de avaliar o projeto e fazer (os investimentos) de forma adequada.” Segundo ele, “o presidente reagia muito mal”. “Ele (Lula) falava ‘quem foi eleito fui eu, ou eles cumprem o que eu quero que façam ou eu troco os presidentes’”.

ALTA DELAÇÃO – Palocci não é um colaborador qualquer. Preso desde outubro de 2016 em Curitiba e condenado a 12 anos, além de ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma, ele foi um dos coordenadores das campanhas do PT, interface do partido com o empresariado e o setor financeiro, membro do Conselho de Administração da Petrobrás e responsável pela indicação de alguns dos presidentes dos fundos de pensão de estatais.

O PT ocupou os comandos da Previ, Funcef e Petros desde o início do governo Lula, em 2003, segundo o delator. O ex-ministro das Comunicações Luiz Gushiken (que morreu em 2013) era o principal responsável pela área. Palocci diz que foi padrinho político de Sérgio Rosa e Wagner Pinheiro e que o ex-ministro José Dirceu indicou Guilherme Lacerda – todos com aval de Gushiken.

O papel de liderança de Palocci no esquema político de corrupção alvo da Lava Jato pesou na decisão da Polícia Federal em aceitar a delação. Os termos acordados foram homologados em junho pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que vai julgar nesta semana a eficácia da colaboração para obtenção dos benefícios de redução de pena.

SETE BRASIL –  A nacionalização dos setor naval garantiu no final do segundo mandato de Lula a promessa de 100 mil empregos nos estaleiros e milhões em contratos vinculados à Petrobrás. Os 28 fechados entre 2011 e 2012 no primeiro pacote somavam US$ 22 bilhões.

Os aportes de recursos da Funcef, Petros e Previ foram fundamentais para consolidação dos investimentos que resultaram na criação da Sete Brasil Participações S/A. Sociedade da Petrobrás (que tinha 10% das cotas) e do FIP Sondas (90%) – composto majoritariamente por dinheiro dos fundos previdenciários e dos bancos BTG, Santander e Bradesco.

A Sete Brasil, criada em dezembro de 2010, ficou responsável por contratar as construções dos navios-sondas de estaleiros “companheiros”, instalados no País, e alugá-los em funcionamento para a Petrobrás – que foi sócia, investidora e contratante da empresa.

ERAM DO CARTEL – Os estaleiros contratados foram o Enseada Paraguaçu, na Bahia, BrasFELS, no Rio de Janeiro, Aracruz Jurong, no Espírito Santo, Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Três deles controlados por empreiteiras nacionais, como Odebrecht, OAS, UTC, Engevix, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão – do cartel acusado na Lava Jato de fatiar obras de refinarias desde 2004.

As revelações sobre a “aventura da Sete Brasil” – como registra o delator – servem para duas investigações em que Palocci colabora: a da Lava Jato, em Curitiba, sobre corrupção de pessoas ligadas à Petrobrás e a Sete Brasil, e a da Operação Greenfield, em Brasília, sobre desvios nos fundos de pensão das estatais em benefício de políticos do PT e do MDB.

Com a Lava Jato deflagrada em 2014 e a descoberta de que 1% de propinas nos negócios, a Sete Brasil quebrou em 2016 sem entregar nenhuma das sondas. Alguns dos estaleiros faliram. Petrobrás e os investidores ainda calculam os prejuízos. Dos 28 equipamentos que começariam a ser entregues em 2016, só quatro serão viabilizados.

PROPINAS –  A interferência nos fundos estava diretamente ligada à reunião no Palácio do Alvorada, no início de 2010, narrada por Palocci no Termo 01 da delação – tornado público na semana final do primeiro turno das eleições 2018 pelo ex-juiz federal Sérgio Moro. Nela, Lula teria exigido do ex-ministro, de Dilma e de José Sérgio Gabrielli (ex-presidente da Petrobrás) que os negócios das sondas bancassem as campanhas do PT.

O episódio é citado por Palocci como a “cena mais chocante” de um presidente que “sucumbiu ao pior da política no melhor dos momentos do seu governo” e “marca uma mudança significativa” na forma como Lula interagia com a corrupção nos governos do PT.

ATUAÇÃO DE LULA – “Ele (Lula) sempre soube que tinha ilícito e sempre apoiou as iniciativas de financiamento ilícito de campanha, mas no caso do pré-sal ele passou a ter uma atuação pessoal, direta”, afirmou Palocci, em uma das 63 vezes que deixou a carceragem da PF, em Curitiba, para colaborar.

“Eu a Dilma e o Gabrielli ficamos um pouco perplexos da maneira sem cerimônia que ele (Lula) abriu e fechou o assunto. Ele raramente fazia dessa maneira, tão explícita e tão direta.”

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