Crítica: Textos de Antonio Callado para BBC mostram os primeiros passos do grande autor

Resultado de imagem para Crítica: Textos de Antonio Callado para BBC mostram os primeiros passos do grande autor

‘Roteiros de radioteatro’ introduz um escritor fundamental, dividido entre ativismo e lirismo

POR EDUARDO JARDIM*, ESPECIAL PARA O GLOBO

“Roteiros de radioteatro” não pode ser avaliado como outras obras de Antonio Callado (1917-1997) — romances, crônicas, reportagens, mesmo as peças de teatro. Seu formato é muito diferente. Trata-se da reunião dos programas radiofônicos transmitidos da Europa, quase a totalidade de Londres, entre 1943 e 1947, a maior parte no período da guerra, quando o escritor não tinha 30 anos.

Um leque amplo de assuntos é abordado: História, cenas do cotidiano e comentários sobre literatura inglesa e brasileira (é excelente o programa sobre Rui Barbosa, visto como um revolucionário, e Castro Alves). Fica-se sabendo até de um mutirão para a compra de aviões para a Royal Air Force. Tudo é considerado da perspectiva combativa da Seção Brasileira da BBC, que competia com as transmissões dos nazistas e seus aliados.

O livro lança luz sobre a formação do autor, contribuindo para a compreensão da trajetória cujo ponto mais alto seria a publicação de “Quarup”, em 1967.

Nestes textos — inéditos em livro — os temas e preocupações do Callado maduro estão presentes. Assim, a proposta de rever a História Brasileira ganha destaque com episódios e personagens que sinalizam rupturas com uma ordem social injusta, como a revolução pernambucana de 1817, o movimento abolicionista e mesmo a atuação dos jesuítas no período colonial, encarnada na figura de Anchieta. Um certo ufanismo aparece em muitos momentos — fruto da imaturidade do autor e reação às circunstâncias bélicas da época.

Antonio Callado na BBC, em Londres, nos anos 1940 – Divulgação

Costuma-se afirmar que Callado foi um jornalista que se tornou escritor. “Roteiros de radioteatro” desmente esta tese. Tudo indica que aconteceu o contrário. Foi a vocação literária manifesta nesses primeiros textos que deu qualidade às suas grandes reportagens, como “Esqueleto da Lagoa Verde” (1953) e “Tempo de Arraes” (1964).

DUELO DE FORÇAS

Um dos programas aborda o encontro imaginário dos dois grandes românticos — Byron e Shelley. Duas personalidades e duas visões (do homem e da poesia) são contrapostas.

Para Callado, Byron é dotado de uma humanidade demoníaca e Shelley representa uma plácida e serena afirmativa de que, se o homem nunca foi um anjo, ele ainda será. Para o primeiro, o poeta deve ser o paladino de uma causa e pode até emudecer na ação. Para o segundo, tudo é lirismo. As duas figuras fortemente contrastadas dizem muito sobre a personalidade e a obra de Antonio Callado.

Capa de “Roteiros de radioteatro”, de Antonio Callado – Reprodução

Ele se sentia atraído por duas forças — o compromisso com a transformação do mundo e a poesia. A melhor parte de sua obra se alimenta dessa oposição insolúvel —como “Quarup”, “Bar Don Juan” (1971) e “Reflexos do baile” (1976). Toda vez que o ativismo se impôs, seus escritos se tornaram didáticos e maçantes. Na velhice, o escritor foi tomado de melancolia. Em um de seus últimos e mais belos romances, “Concerto carioca” (1985), ele narra a morte do personagem principal, o indiozinho Jaci. O menino representa a promessa de mudança social e a vitória do amor — àquela altura, o escritor se deu conta de que nenhuma delas teria lugar.

Os textos de “Roteiros de radioteatro” certamente não estão entre os melhores textos de Callado. A importância deles é outra: servem como introdução à obra de um grande escritor, hoje infelizmente pouco lembrado, apesar do esforço editorial que este livro comprova.

* Eduardo Jardim é filósofo e ensaísta

“Roteiros de radioteatro”

Autor: Antonio Callado. Editora: Autêntica. Páginas: 288. Preço: R$ 54,90. Cotação: Bom.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *