Corrupção, o câncer da América Latina

Presente na maioria dos países da região em quase todos os níveis da sociedade, aos poucos corrupção começa a ser combatida. Percepção de que autoridades são corruptas mina confiança na democracia, apontam analistas.

No último fim de semana, os colombianos tiveram a oportunidade de decidir, por referendo, sobre sete propostas anticorrupção, incluindo a redução dos salários dos congressistas, punições mais severas para funcionários corruptos e a limitação dos mandatos de senadores. A iniciativa partiu do partido oposicionista Aliança Verde, liderado pela ex-parlamentar Claudia López, pela senadora Angelica Lozano e diversas associações civis.

O referendo fracassou por pouco, devido à baixa participação dos cidadãos. Mesmo assim, “a consulta demonstra que, na América Latina – neste caso, na Colômbia – pelo menos o verdadeiro mal está sendo identificado”, afirmou à DW James Bargent, pesquisador da InSight Crime, fundação dedicada ao estudo do crime organizado na América Latina e no Caribe.

A peruana Denisse Rodríguez Olivari, doutoranda em Ciência Política pela Universidade Humboldt, em Berlim, vê a questão com ceticismo. “Apesar das boas intenções, não se conseguiu realmente reduzir a corrupção na América Latina”, afirmou em entrevista à DW.

Segundo Rodríguez Olivari, para compreender melhor as dimensões da corrupção, é preciso analisar duas coisas: “O que as pessoas entendem por corrupção e o que ela realmente é.”

Quase todos os países da América Latina e do Caribe continuam sendo enxergados como alguns dos mais corruptos do mundo. Segundo o Índice de Percepção da Corrupção de 2017, publicado pela organização anticorrupção Transparência Internacional, a Venezuela e a Guatemala têm os níveis mais altos, enquanto o Uruguai e Barbados são percebidos como os menos corruptos da região.

Um levantamento da Transparência Internacional aponta que 51% dos mexicanos pagaram propina por algum serviço público nos últimos 12 meses. Na Venezuela, foram 38%, e no Brasil, 11%.

Segundo Bargent, apesar de alguns avanços, a América Latina continua tendo dificuldades para enfrentar a corrupção de forma efetiva. Por sua vez, Rodríguez Olivari destaca as “permanentes deficiências dos programas contra a corrupção”.

A cientista política aponta que, em casos de dimensões gigantescas, como a Operação Lava Jato, no Brasil, é mais fácil analisar as características da corrupção do que nos pequenos subornos do cotidiano.

“No caso da Odebrecht no Peru, por exemplo, apesar de medidas públicas de transparência estarem sendo tomadas, o castigo está sendo seletivo”, avalia. Segundo Rodríguez Olivari, isso prejudica a política de sancionar a corrupção para reduzi-la, e acaba sendo contraproducente, porque enquanto alguns culpados são castigados, outros não são.

Governos atuam como redes criminosas

Bargent alerta que a corrupção oficial ou estatal vem se assemelhando cada vez mais à atuação de redes criminosas. “Os governos da Venezuela e da Guatemala, por exemplo, agem como uma máfia que capta dinheiro público para usar em seu próprio benefício”, explica.

“O que na Venezuela começou como pagamento de propinas para traficar drogas se transformou num sistema no qual os próprios funcionários públicos se tornaram traficantes, formando o chamado ‘Cartel de los Soles'”, acrescenta.

“O governo do presidente Nicolás Maduro não está interessado em investigar as forças de segurança corruptas porque tem mais interesse na lealdade do que na honestidade”, compara.

Na Guatemala, um ex-presidente e seu vice estão presos por corrupção, mas, para Bargent preocupa o fato de o atual presidente, Jimmy Morales, “fazer de tudo para torpedear o trabalho anticorrupção da Comissão Internacional contra Impunidade na Guatemala (CICIG, na sigla em espanhol)”, um órgão das Nações Unidas.

Corruptos poderosos

Para Bargent, é primordial “preservar ou aumentar a independência do Judiciário para poder julgar os corruptos poderosos”. Ele considera que se deve tanto ampliar a cooperação internacional, a exemplo da CICIG, quanto garantir a transparência dos processos de contratos públicos.

Outro ponto chave destacado pelo pesquisador é o financiamento das campanhas políticas, “porque o dinheiro sujo que entra pelas campanhas eleitorais gera toda uma cadeia de corrupção”. Por último, a luta consequente contra a impunidade dos funcionários públicos corruptos é, para Bargent, crucial no combate à corrupção.

Ele menciona o fenômeno dos políticos acusados de corrupção e outros crimes, que, para manter sua imunidade parlamentar, se tornam senadores. Na Colômbia, é conhecido o caso do ex-presidente Álvaro Uribe (2000-2010) e, na Argentina, o da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), que gozam de foro privilegiado por serem senadores.

Na Argentina, há diversas investigações abertas contra Kirchner. Recentemente, um juiz ordenou buscas em três de suas casas, relacionadas aos chamados “Cadernos das propinas”, relacionados a supostos subornos de empresários para obter contratos de obras públicas durante as presidências de Néstor e Cristina Kirchner.

Num ambiente repleto de escândalos de corrupção, o atual presidente argentino, Mauricio Macri, e sua família também não estão livres de investigações, inclusive por evasão de impostos no âmbito dos chamados “Panama Papers”.

Ameaça à democracia

Para Bargent e Rodríguez Olivari, a corrupção na América Latina representa uma séria ameaça às democracias da região.

“Num país em que se perde o respeito pelas autoridades porque os funcionários públicos são corruptos, também se perde a confiança na democracia”, opina Rodríguez Olivari.

“Um funcionário que superfatura dinheiro público destinado originalmente à construção de escolas está roubando o futuro e o desenvolvimento de seu próprio país”, comenta Bargent.

O único fator que deixa o pesquisador otimista é que, segundo ele, a América Latina está tomando consciência dos danos causados pela corrupção. Na Colômbia, pouco antes do referendo, políticos dançaram no ritmo do reggaeton caribenho contra a corrupção, num vídeo publicado no YouTube.

“Nunca soube o que odeio mais: o maldito reggaeton ou o câncer da Colômbia, que se chama corrupção”, dizem os primeiros versos da canção. O clipe viralizou, especialmente por ter atingido um público jovem.

fonte:Deutsche Welle

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