Como a crise na Venezuela fortalece Maduro

Segundo a teoria de David Smilde, sociólogo e estudioso da história da Venezuela, em alguns casos, as crises econômicas ajudam a consolidar o poder de líderes autocráticos

Como a crise na Venezuela fortalece Maduro
O cenário político da Venezuela assemelha-se ao de outras ditaduras da América Latina no século XX (Foto: Nicolás Maduro/Facebook)

Os vídeos exibidos em diversas ocasiões na Venezuela mostram um governo em profunda crise. Em um deles, filmado em 2016, o presidente Nicolás Maduro enfrenta um panelaço em que uma multidão protesta contra a escassez de alimentos. Em outro, Maduro entra em uma praça antes da eleição presidencial em maio onde esperava discursar para um grande público, mas a encontra quase vazia. E o último vídeo exibe as imagens de um suposto atentado ao presidente Maduro durante uma cerimônia em Caracas, com a fuga em pânico dos soldados que protegiam a tribuna presidencial.

Essas cenas retratam a vulnerabilidade do governo em meio a maior crise econômica da história moderna da Venezuela. No entanto, Maduro mantém-se no poder. Segundo a teoria de David Smilde, professor de sociologia da Universidade de Tulane e um estudioso da história da Venezuela, em alguns casos, as crises econômicas ajudam a consolidar o poder de líderes autocráticos.

Maduro resistiu a meses de protestos de milhares de pessoas nas ruas de Caracas e em outras cidades, ao isolamento dos países vizinhos, à ameaça de intervenção militar do presidente Trump, à queda nas receitas de exportação de petróleo, à dissidência de membros de seu partido, à fuga em massa de venezuelanos e a uma discutível eleição em maio, que prolongou seu mandato até 2025.

Mas Maduro, espertamente, apoiou-se nos militares para se manter no poder. Os militares de alta patente administram os setores de produção de alimentos e petróleo, e controlam a região de mineração de ouro, diamantes e columbita. Até agora, dizem os analistas, os privilégios garantiram a lealdade deles.

Maduro ainda enfrenta protestos nas ruas, porém, com um caráter menos político. Agora, os manifestantes queixam-se da precariedade dos serviços públicos básicos, como fornecimento de água e eletricidade. Uma falha na rede de distribuição de energia elétrica deixou 80% das casas e prédios de Caracas sem eletricidade durante horas no início de agosto. Os cortes na energia elétrica são também cada vez mais comuns em outras cidades.

Hebert García Plaza, um ex-general que fugiu do país depois que o governo de Maduro o acusou de corrupção, disse que as agências de inteligência da Venezuela reprimem os protestos assim que são planejados, e prendem os manifestantes diante de qualquer sinal de conflito, a fim de evitar as enormes manifestações ocorridas em 2017.

O cenário político da Venezuela assemelha-se ao de outras ditaduras da América Latina no século XX. Mas enquanto os ditadores militares mantinham uma fisionomia imperturbável, com a expressão dos olhos protegida pelos óculos escuros e o controle quase absoluto da situação, as crises na Venezuela são cada vez mais constantes.

Porém, as crises fortalecem Maduro. Segundo o analista político Dimitris Pantoulas, o governo usará o suposto atentado contra o presidente como pretexto para reprimir com brutalidade os opositores ao regime.

Apesar de Maduro não ter o mesmo perfil de outros ditadores sul-americanos, seu governo é um reflexo do regime ditatorial de Fidel Castro. Logo após a revolução cubana de 1959, muitos cubanos de classe média e alta saíram do país. Na década de 1980, novos grupos de cubanos descontentes com o governo socialista de Fidel fugiram em barcos para os Estados Unidos.

Assim como os cubanos que ficaram em Cuba, os venezuelanos que não procuraram refúgio em outros países não discordam da política de Maduro, ou por não terem condições de partir são mais passivos. No entanto, disse Smilde, as crises não são uma garantia de manutenção de poder no longo prazo.

Smilde cita, por exemplo, o caso dos militares que receberam aumentos salariais superiores aos de outros trabalhadores. Mas os aumentos foram inferiores à inflação, o que causou descontentamento. A corrupção no país é alvo de investigações de promotores americanos. Além disso, as novas propostas do governo não irão solucionar a profunda crise econômica do país.

Mas, por enquanto, Maduro aposta em seu estilo vitorioso de governar. E, em um discurso megalomaníaco, se compara a governantes despóticos, que não tiveram escrúpulos em usar de violência para se manterem no poder.

“Existem pessoas que me comparam a Stalin”, disse Maduro em uma entrevista no final do ano passado. “Aliás, quando me olho no espelho muitas vezes vejo Stalin”.

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