Os impactos gerados por agrotóxicos em zonas rurais

Relatório da Human Rights Watch revela intoxicações em comunidades rurais do Brasil expostas à pulverização de agrotóxicos

Os impactos gerados por agrotóxicos em zonas rurais
Pulverizações ocorrem nas proximidades de residências, escolas e locais de trabalho (Foto: Human Rights Watch)

Por Melissa Rocha

Um relatório divulgado nesta sexta-feira, 20, pela organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch, alerta para os danos causados à saúde de populações rurais expostas à pulverização de agrotóxicos, bem como a falha do governo brasileiro em proteger essas comunidades.

Intitulado “Você não quer mais respirar veneno”, o documento conta com 52 páginas e relatos de 73 moradores de sete comunidades visitadas pela organização – todos eles com nomes fictícios por questões de segurança.

O relatório expõe casos de intoxicações decorrentes da pulverização de agrotóxicos nas proximidades de suas casas, escolas e locais de trabalho. Os sintomas gerados pela intoxicação incluem vômitos, náusea, dor de cabeça e tontura durante ou imediatamente após a pulverização nas proximidades. Casos de exposição crônica, mesmo que em doses baixas, podem resultar em infertilidade, problemas no desenvolvimento fetal e câncer.

Segundo o documento, as intoxicações ocorrem porque proprietários de grandes plantações costumam desrespeitar o regulamento nacional que estabelece uma “zona de segurança” para a pulverização aérea de agrotóxicos próxima a áreas habitadas. Além disso, não há regulamentação para determinar tais zonas em casos de pulverização terrestre.

Um dos relatos que expõe este desrespeito é o de Marelaine, professora em uma comunidade rural no sul da Bahia. “O avião estava jogando do lado da escola e o vento trazia para a escola. Não dava para sentir o cheiro, mas dava para sentir a neblina, o vapor [de agrotóxicos] entrando pela janela. As crianças, entre 4 e 7 anos, reclamavam que suas gengivas e olhos estavam ardendo”, disse Marelaine.

Outro é o de Bernardo, morador de uma comunidade quilombola próximo à capital mineira Belo Horizonte. “Esta semana, um avião passou por cima da casa [de um vizinho] com o motor [de pulverização] ligado. A gente sente [os agrotóxicos] caindo na pele. Toda vez que bate, tem isso. Nós temos problemas com aviões há uns 10 anos. Fizemos várias ocorrências no quartel, delegacia [de polícia civil]. Não resolve – não existe justiça”, disse Bernardo.

O estudante Danilo, de 13 anos, contou como a pulverização. “[A pulverização de agrotóxicos] incomoda e causa náuseas; me dá dor de cabeça. Eu tento me sentar do outro lado da sala de aula. Nós temos um ventilador [na sala de aula], ele ajuda um pouco, mas o cheiro continua. Eu senti náusea, tontura. É ruim porque você quer vomitar, mas fica preso na garganta”, disse o estudante, que mora em uma comunidade rural a poucas horas de Goiânia.

O relatório constatou que muitos moradores não denunciam os casos por medo de represálias por parte de grandes proprietários de terra, com poder político e econômico –, como foi o caso de um agricultor rural e ativista contra o uso de agrotóxicos morto a tiros em 2010, após pressionar o governo local a proibir a pulverização aérea naquele ano.

O diretor-adjunto da divisão de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch e autor do relatório, Richard Pearshouse, exorta o governo brasileiro a tomar atitudes para coibir a prática e garantir a segurança dos moradores das regiões afetadas. “Agrotóxicos pulverizados em grandes plantações intoxicam crianças em salas de aula e outras pessoas em seus quintais em zonas rurais espalhadas por todo Brasil. As autoridades brasileiras devem acabar com a exposição tóxica aos agrotóxicos e garantir a segurança daqueles que denunciam ou se opõem aos danos causados pelos agrotóxicos às famílias e comunidades”, escreveu Pearshouse.

O PL do veneno

O alerta da Human Rights Watch ocorre num momento que o Brasil analisa um polêmico projeto de lei que visa flexibilizar as regras para a fiscalização e uso de agrotóxicos.

Apelidada de PL do Veneno, o Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, foi aprovado em uma comissão especial da Câmara em 25 de junho deste ano. O texto vai passar pelo plenário da Casa e, depois, seguir para análise no Senado. De autoria do ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP), o projeto tem forte apoio da bancada ruralista.

Entre outros pontos, ele reduz o papel dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente na análise de aprovação de novos produtos agrotóxicos. No lugar, ele cria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), que ficaria responsável pela tarefa. A comissão seria subordinada ao Ministério da Agricultura. O projeto argumenta que a medida reduziria a demora na obtenção de registros de novos produtos. Porém, ativistas alertam que a comissão seria meramente um órgão de fachada para garantir a aprovação.

Outro ponto polêmico do projeto é o que prevê substituir o termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental”. A justificativa é que o termo “agrotóxico” é depreciativo e muitos países optam pelo termo “pesticida”. No entanto, para a Human Rights Watch, a medida visa mascarar os perigos que tais substâncias representam à saúde e ao meio ambiente.

Em junho deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) enviou ao governo brasileiro um comunicado expressando temor em relação às propostas de mudanças na lei de agrotóxicos do país.

No documento, especialistas da organização alertam que, se aprovadas, as alterações violarão direitos humanos de trabalhadores rurais, comunidades locais e consumidores de alimentos produzidos com a ajuda de pesticidas.

Além disso, a organização destaca a proposta de concentrar no Ministério da Agricultura a decisão sobre os agrotóxicos registrados no Brasil. “As preocupações se referem ao fato de que as enormes capacidades financeiras do lobby da agricultura no Brasil poderiam facilmente controlar as decisões adotadas com este novo arranjo institucional”, diz o documento.

A organização também alerta para o fato de um dos pontos do PL determinar que o uso de pesticidas perigosos somente será proibido quando for comprovado cientificamente um “risco inaceitável”. Segundo a ONU, tal abordagem “rejeita a aplicação de boas práticas sobre gestão de risco dos pesticidas, tais quais adotadas na União Europeia, em favor de uma definição genérica de ‘risco inaceitável’”.

Em contraponto, em entrevista concedida em junho deste ano, à Globo Rural, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), saiu em defesa do PL, afirmando que o país “precisa de produtos mais modernos que não são usados no Brasil porque não são aprovados em tempo”.

Na contramão da tendência mundial

Enquanto o Brasil se movimenta para abrandar o uso e a fiscalização dos agrotóxicos, o mundo toma medidas para reduzir o uso desses produtos e estimular o consumo de alimentos orgânicos.

Em abril deste ano, por exemplo, a União Europeia baniu o uso de três tipos de pesticidas, chamados neonicotinóides, por constatar sua associação à crescente mortandade de abelhas. A medida foi tomada com grande apoio popular.

Para ter uma ideia, dentre os dez agrotóxicos mais usados no Brasil em 2016, quatro são proibidos na Europa. Para a Human Rights Watch, tal fato evidencia o quanto essas substâncias são consideradas perigosas por outros governos.

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, com um mercado que movimenta em torno de US$ 10 bilhões por ano. Segundo o relatório da Human Rights Watch, tal fato é resultado da expansão da agricultura de monocultura em grande escala.

O uso indiscriminado destas substâncias no Brasil já foi tema de um artigo do jornal francês Le Monde, que, em tom irônico, chamou os pesticidas de “tempero preferido dos brasileiros”.

O&N

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