População brasileira cresce em Portugal, e barrados também aumentam

Em busca de visto de residência, há brasileiros que entram no país para trabalhar de graça em troca de cama e comida

POR GIAN AMATO

A população brasileira residente em Portugal voltou a crescer após seis anos. Em 2017, o número de brasileiros no país aumentou 5,1% em relação ao ano anterior, passando de 81.251 para 85.426. Este número representa 20,3% do total de 421.711 imigrantes em solo português e mantém o Brasil no topo do ranking.

O crescimento reverte uma queda que vinha ocorrendo desde 2011, quando havia 111.445 brasileiros em Portugal, número 6,63% menor que em 2010: 119.363. Entre 2010 e 2016, 23.111 brasileiros deixaram o país.

Mais de 37 mil pessoas pediram cidadania portuguesa e o Brasil também lidera a lista, com 10.805 pedidos, no ano passado. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira no Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2017 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O documento também revela que 62,3% das 2.142 recusas de entrada nos aeroportos de Portugal foram para brasileiros — um total de 1.336 pessoas, 368 a mais que em 2016 e o maior número de barrados desde 2011 (967). São pessoas sem condições legais para admissão no país, com ausência de motivos que justificassem a entrada, visto inadequado ou indicações para não admissão no Espaço Schengen (zona de livre circulação na União Europeia).

PERSPECTIVA DE CRESCIMENTO

Em 2016, o número de imigrantes brasileiros havia sofrido uma queda de 1,60%, mas voltou a subir e a probabilidade é que siga em alta em 2018, ano em que o músico Felipe Mattos, 36 anos, natural de Torres, no Rio Grande do Sul, chegou a Portugal. Ele é mais um dos que entram no país como turista, atrás de uma promessa de emprego, que é o primeiro passo para o pedido do visto de residência. Muitos trabalham de graça em troca de alojamento ou alimentação até que obtenham uma prova de vínculo empregatício estável.

Mattos trabalhou durante um mês e meio em um hostel do Porto sem ganhar nada e com a promessa de um contrato de trabalho que jamais se concretizou.

— Eu pedia o contrato e ele, o dono do hostel, enrolava e enrolava. Como eu sei falar inglês, ele pediu que eu ficasse na recepção, mas acabei responsável pelo hostel todo. Trabalhava exaustivamente sem ganhar nada. Tinha que fazer check-in, ver vazamento do banheiro, arrumar quartos, carregar cama. Eu não tinha mais vida — disse Felipe.

Enquanto a carreira de vocalista da banda de rock Indiegents começava a decolar, a relação com o dono de hostel desafinava, explica Felipe:

— Ele veio com a história de que precisava abrir uma firma para fazer contrato. Emprestei dinheiro a ele para isto e nada. Até paguei pelo meu quarto. E, mesmo assim, ele ficava mudando minhas coisas de lugar, de um cômodo para outro. Ou alugando meu quarto para outra pessoa. Fui embora para outro lugar sem dinheiro nem contrato. Que isso sirva para alertar o pessoal no Brasil, porque a cada dia chegam mais brasileiros e ainda chegarão muitos mais, a maioria sem experiência nem ideia de como fazer as coisas aqui.

PROMESSA DE CONTRATO DE TRABALHO

O artigo 88 da Constituição portuguesa estabelece a autorização de residência desde que o cidadão estrangeiro possua contrato ou apenas a promessa de contrato de trabalho por escrito. A partir daí, o brasileiro já pode dar a entrada na manifestação de interesse na residência em Portugal, desde que a sua entrada em solo português tenha sido legal. Os hostels recrutam brasileiros para trabalho voluntário em sites especializados e fazem uma reserva de quarto. Na Alfândega, os brasileiros dizem que têm lugar para ficar e podem omitir a questão do trabalho não remunerado.

— Nem sempre são em hostels. Ouço falar de pessoas que já alugaram apartamento, constituíram tudo, trabalham uma semana e o patrão não quer mais. Também tem quem trabalhe um mês ou dois e o patrão não paga, fala que vai dar contrato, empurra, empurra, empurra e não dá. A gente fica sabendo das histórias em grupos de WhatsApp. Já chegamos a fazer “vaquinha” para uma pessoa voltar ao Brasil — revelou Thiago Leite, dono do canal “Vi No Tube”, com mais de 15 mil inscritos, e que ajuda os brasileiros com dicas sobre a burocracia em Portugal.

O período do visto de turista dura três meses, prazo para uma possível regularização para permanência via contrato de trabalho, reagrupamento familiar ou visto concedido por universidade. O SEF faz operações baseadas em denúncias e, geralmente, estabelece um prazo de 20 dias para aqueles em situação irregular deixarem o país. É possível firmar contrato de trabalho ainda como turista, mas os empresários não se sentem seguros.

Há, no entanto, brasileiros com sorte que conseguem prorrogar o prazo em uma audiência nos Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (CNAI), como foi o caso de uma mulher com visto de turista expirado, encontrada em uma fiscalização da Imigração em um hostel, mas que conseguiu prolongar a estadia até setembro.

Fábio Branco nem precisou de tanto. Este ano, ele chegou a Faro, no Algarve, com trabalho em troca de alojamento em um hostel. Ficou apenas quatro dias antes de conseguir emprego e contrato em outro hostel em pleno boom pré-verão algarvio. Mas experimentou na pele um pouco da malandragem que conhece bem no Rio de Janeiro.

— Eu paguei uma inscrição em um site e me candidatei como voluntário em um hostel em troca de alojamento e comida. Trabalhava por quatro, seis horas. Foram quatro dias apenas. Vários funcionários no hostel eram brasileiros. Fui à recepção pegar uma toalha e o responsável, brasileiro, disse que eu precisava pagar pela toalha para ele dar baixa no sistema. A pessoa estava sendo pilantra. Eu ignorei, mas ele disse que era sério, que custava € 2. Paguei. Depois, soube que isso não existia. Mas era brasileiro, para variar — disse Branco.

 

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