CNH de endividado pode ser suspensa

STJ se posicionou afirmando que medida não fere direito de ir e vir. Pernambuco já julgou dois casos
 (Foto: Arquivo/Agência Brasil)
Por Alice de Souza
Se for dirigir, não deva. A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (CPC), em 2016, abriu um precedente até então não usual na Justiça brasileira: a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de devedores. Usando como base o artigo 139 do código, credores começaram a requisitar judicialmente a suspensão como forma de acelerar o pagamento das dívidas. Pela primeira vez, um caso deste tipo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesta semana, o órgão se posicionou afirmando que a medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir.

Desde 2015, vários casos de suspensão de CNH já chegaram aos tribunais do país. Em Pernambuco, há duas decisões julgadas sobre o tema. Uma delas ocorreu no ano passado, referente ao caso de uma dívida por aluguel, e culminou com a suspensão do direito de dirigir. O segundo ocorreu em 2018, mas não teve o mesmo resultado.

A Quarta Turma do STJ, formada por cinco ministros, julgou o recurso de um devedor condenado pela 3ª Vara Cível de Sumaré, em São Paulo. De acordo com a decisão inicial, a pessoa teria o passaporte e também a habilitação suspensos até pagar uma dívida de R$ 16,9 mil junto a uma instituição de ensino. Os ministros entenderam que a suspensão do passaporte seria desproporcional e uma violação ao direito constitucional de ir e vir e ao princípio de legalidade, votando favorável à devolução do documento.

Por outro lado, sobre a restituição da CNH, o entendimento foi de que a suspensão do documento não ofende o direito de ir e vir, pois há possibilidade de deslocamento de outras formas. “Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, explicou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, em reportagem publicada no próprio site do STF.

A decisão vem a reboque de uma polêmica de cerca de dois anos, pautada no novo CPC. “O inciso 4º do artigo 139 diz que o juiz pode adotar medidas mandamentais, ou seja, qualquer ação no processo no sentido de obter um resultado. No caso específico, forçar o pagamento da dívida”, explicou o advogado especialista em processo civil Misael Montenegro Filho.

Essa mudança gerou um movimento de jurisprudência, iniciado em São Paulo, para execução da apreensão da CNH, do passaporte e dos cartões de crédito. “A origem está no entendimento de que se o devedor pode manter um automóvel, com os encargos decorrentes disso, viajar ao exterior e gastar em cartões, ele não está priorizando o pagamento do débito em aberto”, complementou Misael.

Segundo ele, ainda não há no STJ um entendimento consolidado sobre a matéria, já que o tribunal é formado por 33 ministros. De qualquer forma, há uma tendência de que agora uma “avalanche” de discussões semelhantes cheguem ao órgão. Porém, cada uma deve ser analisada de forma singular, sem generalização. “É possível a adoção dessas técnicas quando já está provado, em todas as situações, que o devedor de fato não vem pagando por opção sua.

Falando-se da massa da população brasileira, que está desempregada e não tem reserva financeira, a adoção da técnica não é adequada”, opina Misael.

É o que também defende o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), Ronnie Duarte. “Hoje, no país em que a gente vive, com um transporte público deficitário, um automóvel é uma necessidade, sobretudo para determinadas profissões. É um constrangimento que se impõe ao devedor, muitas vezes causando até prejuízos na própria subsistência, saúde e segurança”, opinou.

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