Audálio Dantas, o corajoso jornalista que denunciou o assassinato de Herzog

O jornalista Audálio Dantas, em foto de agosto de 2017

Audálio Dantas morreu em paz, como merecem os fortes

José Hamilton Ribeiro
Folha

Década de 70, o Brasil diante de um governo opressor: censura, prisões em massa, tortura. Os jornalistas em São Paulo precisavam contar com o sindicato, então nas mãos de um grupo de direita havia muitos anos. Tinham de compor uma chapa de oposição da mais alta qualidade —humana e profissional— para estimular os colegas a votar contra a diretoria, que se alinhava com os generais. Como um rastilho de pólvora, o nome de Audálio passava de boca em boca.

“O Audálio?! Você acha que um profissional como ele, com a carreira em ascensão e filhos pra criar, vai deixar tudo isso para brigar pelos outros? Não vai mesmo…”

PÉS DE BOI – Audálio montou uma chapa de estrategistas e batalhadores —estes eram seus “pés de boi”, dizia—, ganhou a eleição e logo se viu diante do desafio de dizer ao mundo que Vladimir Herzog tinha sido morto numa dependência do Exército Brasileiro.

Desde o primeiro minuto — vindo da clarividência de Fernando Pacheco Jordão, um dos estrategistas da diretoria — o sindicato, em cuidadosas notas à imprensa, dizia que não, não houvera suicídio: Herzog tinha sido assassinado no DOI-Codi.

O comandante do Segundo Exército quis Audálio à sua frente, mandou buscá-lo. Diante do general, serenamente, reafirmou o conteúdo das notas. Não foi preso, mas em compensação o sobressalto entre os jornalistas aumentou. A toda hora vinha um boato de que iam invadir o sindicato.

GANHOU APOIO – Audálio dormia cada noite num lugar, mas passou a se sentir mais seguro com o apoio que chegava de outros sindicatos, de políticos importantes, de gente da universidade e de organizações civis e religiosas, daqui e do estrangeiro. As assembleias do sindicato tinham casa cheia, a maioria de apoiadores de origens as mais diversas.

Na missa ecumênica na Catedral da Sé — oficiada por dom Paulo Evaristo, o pastor evangélico Jaime Wright e o rabino Henry Sobel — estava previsto que Audálio falaria.

Era visível na igreja e em seu entorno a presença de agentes que mal se preocupavam em se disfarçar. Preocupação geral: a catedral abarrotada não poderia levar Audálio a uma empolgação que o fizesse dizer coisas que irritassem além da conta os militares?

DEUS DOS DESGRAÇADOS – Todos viram com ansiedade quando aquele nordestino miúdo de Tanque D’Arca, no interior de Alagoas, caminhou para o púlpito. E começou com voz forte:

“Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, se é mentira, se é verdade tanto horror perante os céus!”. E por aí foi. Quando souberam do que se tratava — o poema de “Navio Negreiro”, de Castro Alves —, os generais não tinham o que fazer.

O cardeal dom Hélder Câmara, um dos mais perseguidos pela ditadura, veio do Recife para a missa. A igreja toda ficou na expectativa de que ele aproveitasse o cenário para imprecar contra seus algozes. Dom Hélder ficou o tempo todo de pé, ao lado do altar, mudo e calado. Aquele silêncio ecoou por todo o Brasil.

FIGURA NACIONAL – Hoje se sabe que a reação ao assassinato de Herzog foi o primeiro movimento aberto da sociedade brasileira contra a ditadura e pela volta da democracia no Brasil.

A sucessão de fatos fez de Audálio uma figura nacional. Convidado por Ulysses Guimarães, um dos inspiradores das Diretas-Já, aceitou candidatar-se a deputado federal.

Foi parlamentar sério, presente, atuante, respeitado. Ao fim do mandato, não tinha se envolvido em nenhuma negociata, ao contrário: saiu de lá com dívida. As pessoas pensavam que, por ser deputado, podia tudo, então lhe pediam coisas, propunham compromissos, e ele não sabia dizer não.

Audálio Dantas, o jornalista que denunciou o assassinato de Herzog

José Hamilton Ribeiro
Folha

Década de 70, o Brasil diante de um governo opressor: censura, prisões em massa, tortura. Os jornalistas em São Paulo precisavam contar com o sindicato, então nas mãos de um grupo de direita havia muitos anos. Tinham de compor uma chapa de oposição da mais alta qualidade —humana e profissional— para estimular os colegas a votar contra a diretoria, que se alinhava com os generais. Como um rastilho de pólvora, o nome de Audálio passava de boca em boca.

“O Audálio?! Você acha que um profissional como ele, com a carreira em ascensão e filhos pra criar, vai deixar tudo isso para brigar pelos outros? Não vai mesmo…”

PÉS DE BOI – Audálio montou uma chapa de estrategistas e batalhadores —estes eram seus “pés de boi”, dizia—, ganhou a eleição e logo se viu diante do desafio de dizer ao mundo que Vladimir Herzog tinha sido morto numa dependência do Exército Brasileiro.

Desde o primeiro minuto — vindo da clarividência de Fernando Pacheco Jordão, um dos estrategistas da diretoria — o sindicato, em cuidadosas notas à imprensa, dizia que não, não houvera suicídio: Herzog tinha sido assassinado no DOI-Codi.

O comandante do Segundo Exército quis Audálio à sua frente, mandou buscá-lo. Diante do general, serenamente, reafirmou o conteúdo das notas. Não foi preso, mas em compensação o sobressalto entre os jornalistas aumentou. A toda hora vinha um boato de que iam invadir o sindicato.

GANHOU APOIO – Audálio dormia cada noite num lugar, mas passou a se sentir mais seguro com o apoio que chegava de outros sindicatos, de políticos importantes, de gente da universidade e de organizações civis e religiosas, daqui e do estrangeiro. As assembleias do sindicato tinham casa cheia, a maioria de apoiadores de origens as mais diversas.

Na missa ecumênica na Catedral da Sé — oficiada por dom Paulo Evaristo, o pastor evangélico Jaime Wright e o rabino Henry Sobel — estava previsto que Audálio falaria.

Era visível na igreja e em seu entorno a presença de agentes que mal se preocupavam em se disfarçar. Preocupação geral: a catedral abarrotada não poderia levar Audálio a uma empolgação que o fizesse dizer coisas que irritassem além da conta os militares?

DEUS DOS DESGRAÇADOS – Todos viram com ansiedade quando aquele nordestino miúdo de Tanque D’Arca, no interior de Alagoas, caminhou para o púlpito. E começou com voz forte:

“Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, se é mentira, se é verdade tanto horror perante os céus!”. E por aí foi. Quando souberam do que se tratava — o poema de “Navio Negreiro”, de Castro Alves —, os generais não tinham o que fazer.

O cardeal dom Hélder Câmara, um dos mais perseguidos pela ditadura, veio do Recife para a missa. A igreja toda ficou na expectativa de que ele aproveitasse o cenário para imprecar contra seus algozes. Dom Hélder ficou o tempo todo de pé, ao lado do altar, mudo e calado. Aquele silêncio ecoou por todo o Brasil.

FIGURA NACIONAL – Hoje se sabe que a reação ao assassinato de Herzog foi o primeiro movimento aberto da sociedade brasileira contra a ditadura e pela volta da democracia no Brasil.

A sucessão de fatos fez de Audálio uma figura nacional. Convidado por Ulysses Guimarães, um dos inspiradores das Diretas-Já, aceitou candidatar-se a deputado federal.

Foi parlamentar sério, presente, atuante, respeitado. Ao fim do mandato, não tinha se envolvido em nenhuma negociata, ao contrário: saiu de lá com dívida. As pessoas pensavam que, por ser deputado, podia tudo, então lhe pediam coisas, propunham compromissos, e ele não sabia dizer não.

Audálio Dantas, o jornalista que denunciou o assassinato de Herzog

José Hamilton Ribeiro
Folha

Década de 70, o Brasil diante de um governo opressor: censura, prisões em massa, tortura. Os jornalistas em São Paulo precisavam contar com o sindicato, então nas mãos de um grupo de direita havia muitos anos. Tinham de compor uma chapa de oposição da mais alta qualidade —humana e profissional— para estimular os colegas a votar contra a diretoria, que se alinhava com os generais. Como um rastilho de pólvora, o nome de Audálio passava de boca em boca.

“O Audálio?! Você acha que um profissional como ele, com a carreira em ascensão e filhos pra criar, vai deixar tudo isso para brigar pelos outros? Não vai mesmo…”

PÉS DE BOI – Audálio montou uma chapa de estrategistas e batalhadores —estes eram seus “pés de boi”, dizia—, ganhou a eleição e logo se viu diante do desafio de dizer ao mundo que Vladimir Herzog tinha sido morto numa dependência do Exército Brasileiro.

Desde o primeiro minuto — vindo da clarividência de Fernando Pacheco Jordão, um dos estrategistas da diretoria — o sindicato, em cuidadosas notas à imprensa, dizia que não, não houvera suicídio: Herzog tinha sido assassinado no DOI-Codi.

O comandante do Segundo Exército quis Audálio à sua frente, mandou buscá-lo. Diante do general, serenamente, reafirmou o conteúdo das notas. Não foi preso, mas em compensação o sobressalto entre os jornalistas aumentou. A toda hora vinha um boato de que iam invadir o sindicato.

GANHOU APOIO – Audálio dormia cada noite num lugar, mas passou a se sentir mais seguro com o apoio que chegava de outros sindicatos, de políticos importantes, de gente da universidade e de organizações civis e religiosas, daqui e do estrangeiro. As assembleias do sindicato tinham casa cheia, a maioria de apoiadores de origens as mais diversas.

Na missa ecumênica na Catedral da Sé — oficiada por dom Paulo Evaristo, o pastor evangélico Jaime Wright e o rabino Henry Sobel — estava previsto que Audálio falaria.

Era visível na igreja e em seu entorno a presença de agentes que mal se preocupavam em se disfarçar. Preocupação geral: a catedral abarrotada não poderia levar Audálio a uma empolgação que o fizesse dizer coisas que irritassem além da conta os militares?

DEUS DOS DESGRAÇADOS – Todos viram com ansiedade quando aquele nordestino miúdo de Tanque D’Arca, no interior de Alagoas, caminhou para o púlpito. E começou com voz forte:

“Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, se é mentira, se é verdade tanto horror perante os céus!”. E por aí foi. Quando souberam do que se tratava — o poema de “Navio Negreiro”, de Castro Alves —, os generais não tinham o que fazer.

O cardeal dom Hélder Câmara, um dos mais perseguidos pela ditadura, veio do Recife para a missa. A igreja toda ficou na expectativa de que ele aproveitasse o cenário para imprecar contra seus algozes. Dom Hélder ficou o tempo todo de pé, ao lado do altar, mudo e calado. Aquele silêncio ecoou por todo o Brasil.

FIGURA NACIONAL – Hoje se sabe que a reação ao assassinato de Herzog foi o primeiro movimento aberto da sociedade brasileira contra a ditadura e pela volta da democracia no Brasil.

A sucessão de fatos fez de Audálio uma figura nacional. Convidado por Ulysses Guimarães, um dos inspiradores das Diretas-Já, aceitou candidatar-se a deputado federal.

Foi parlamentar sério, presente, atuante, respeitado. Ao fim do mandato, não tinha se envolvido em nenhuma negociata, ao contrário: saiu de lá com dívida. As pessoas pensavam que, por ser deputado, podia tudo, então lhe pediam coisas, propunham compromissos, e ele não sabia dizer não.

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