As mulheres na vida de Jesus e a companheira Míriam de Mágdala

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Ilustração de Duke (O Tempo)

Leonardo Boff
O Tempo

Jesus é judeu, e não cristão, mas rompeu com o antifeminismo de sua tradição religiosa. Mostrava-se sensível a tudo o que pertence à esfera do feminino, em contraposição aos valores do masculino cultural, centrado na submissão da mulher. Nele se encontram sensibilidade, capacidade de amar e perdoar, ternura para com as crianças e os pobres e compaixão para com os sofredores deste mundo. Abertura indiscriminada a todos, especialmente a Deus, chamando-o de “Paizinho querido”. Cercado de discípulos homens e mulheres, desde o início de sua peregrinação, elas o seguiam.

Em razão da utopia que prega – o Reino de Deus, a libertação de todo tipo de opressão –, quebra vários tabus que pesavam sobre as mulheres. Mantém profunda amizade com Marta e Maria. Contra o ethos do tempo, conversa publicamente e a sós com uma herege samaritana, causando perplexidade aos discípulos. Deixa-se ungir os pés por uma prostituta, Madalena. São várias as mulheres curadas por Ele: a sogra de Pedro, a mãe do jovem ressuscitado por Jesus, a filhinha morta do oficial romano, a mulher corcundinha, a pagã siro-fenícia e a mulher que sofria de um fluxo de sangue.

MULHERES DIGNAS – Em suas parábolas há muitas mulheres, especialmente pobres, como a que extraviou a moeda, a viúva que depositou dois trocados no cofre do templo, e era tudo o que tinha, e a outra viúva, que enfrentou o juiz. Nunca são discriminadas, mas dignas, à altura dos homens. A crítica que faz da prática social do divórcio pelos motivos mais fúteis e a defesa do laço indissolúvel do amor têm seu sentido ético de salvaguarda da dignidade da mulher.

Se admiramos a sensibilidade feminina de Jesus, seu profundo sentido espiritual da vida, então devemos supor que ele aprofundou essa dimensão a partir de seu contato com as mulheres com que conviveu. Aprendeu, não só ensinou. As mulheres, com sua “anima”, completaram seu masculino, o “animus”.

A mensagem e a prática de Jesus significam uma ruptura com a situação imperante e a introdução de um novo tipo de relação, fundado não na ordem patriarcal da subordinação, mas no amor como mútua doação que inclui a igualdade entre o homem e a mulher.

‘COMPANHEIRA” – Um dado de pesquisa recente vem confirmar essa constatação. Dois textos apócrifos, o Evangelho de Maria e o Evangelho de Felipe, mostram que, como homem, ele viveu profundamente essa dimensão.

Aí se diz que ele tinha uma relação especial com Míriam de Mágdala, chamada de “companheira”. No Evangelho de Maria, Pedro confessa: “Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou diferentemente das outras mulheres”; e Levi reconhece que “o Mestre a amou mais que a nós”. Ela vem apresentada como sua principal interlocutora, comunicando-lhe ensinamentos subtraídos aos discípulos. Das 46 perguntas que esses fazem a Jesus, depois de sua ressurreição, 39 são feitas por Míriam de Mágdala.

O Evangelho de Felipe diz: “Míriam é para Ele uma irmã, uma mãe e uma esposa”. Mais adiante, particulariza: “O Senhor amava Míriam mais que todos os demais discípulos e a beijava com frequência na boca”.

ALGO MAIS SAGRADO– Embora tais relatos possam ser interpretados no sentido espiritual dos gnósticos, pois essa é sua matriz, não devemos excluir um fundo histórico verdadeiro, uma relação concreta e carnal de Jesus com Míriam de Mágdala. Por que não? Há algo mais sagrado que o amor efetivo entre um homem e uma mulher?

Um dito antigo da teologia afirma: “Tudo aquilo que não é assumido por Jesus Cristo não é redimido”. Se a sexualidade não tivesse sido assumida por Jesus, não teria sido redimida. A dimensão sexuada de Jesus não tira nada de sua dimensão divina. Antes a torna profundamente humana.

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