Reforma da Previdência: isso sim é golpe

Professor de Direito Previdenciário, André Oliveira explicou os malefícios que a reforma da Previdência leva ao trabalhador

Reforma da Previdência: isso sim é golpe
Desde os anos 90, o governo desvia recursos da Previdência para o pagamento da Dívida Pública (Foto: Wikimedia)

Na quarta-feira que antecedeu o Carnaval, o relator da proposta de Reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), apresentou uma nova versão do projeto que o governo quer ver aprovado no plenário. Além de trazer grandes prejuízos de ordem financeira à classe trabalhadora, o projeto traz armadilhas para sua aprovação imediata, entre elas, a concessão plena e especial de aposentadoria para os senhores parlamentares que irão votá-la ainda este mês.

Professor de Direito Previdenciário, André Oliveira se dedica há 23 anos ao estudo do tema. Ele revela que o artigo oitavo da emenda constitucional garante que os titulares de mandato eletivo poderão permanecer de fora das determinações da reforma, e manter os regimes aos quais se encontrem vinculados hoje.

Ele traduz: “para os políticos exercendo mandato – deputados, governadores, prefeitos etc. -, mas especialmente para os parlamentares federais que têm um regime de previdência que vem na lei nº 9.506/97, eles continuarão com seu regime de previdência. Se fala em unificação de regimes, mas, para a classe política, continua existindo um regime específico [e muito especial]. Que mudança é essa que se quer?”, pergunta o professor.

Auditores da Receita culpam o governo e afirmam que rombo não existe

O governo trabalha com o conceito mentiroso de que a Previdência dá prejuízo e que luta para garantir a aposentadoria das próximas gerações. Duas falácias. Fato é que grande parte do suposto rombo da Previdência foi patrocinado pelo próprio governo em benefícios concedidos às empresas que deixaram de recolher por causa das políticas de incentivo. Pior, o projeto de reforma não cobra as empresas que devem bilhões à Previdência nem cria obstáculos para futuros calotes. Aí o leitor do Opinião & Notícia pode perguntar: “Por que a grande mídia não denuncia isso?”. A resposta é simples: as empresas de Comunicação estão – assim como os bancos – entre os maiores devedores da Previdência.

O saldo da Previdência não é fruto somente das contribuições dos trabalhadores, mas também de todas as empresas e do governo. O pacote previdenciário – segundo a Constituição – deveria ser reforçado com o repasse de contribuições sociais como Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), Programa de Integração Social  e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O problema é que, desde os anos 90, o governo descumpre a Carta Magna e desvia recursos da Previdência para o pagamento da Dívida Pública. Um destes desvios se dá pela Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo federal “torrar” 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são justamente as contribuições sociais.

Segundo a Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Anfip), o suposto rombo se transformaria em superávit se fossem somadas todas as fontes de financiamento citadas acima. Mas o governo insiste que o saldo da Previdência é fruto somente da contribuição dos trabalhadores. Essa é a essência do golpe. A auditora fiscal Maria Lucia Fattorelli denuncia que a DRU é usada somente para pagar juros de uma dívida que nunca foi auditada. “Metade do orçamento federal, todo ano, tem sido sangrado para pagar juros de uma dívida que nunca foi auditada e objeto de uma CPI no Congresso na década de 80. Em relatório brilhante, o senador Severo Gomes já falava da nulidade desta dívida. Isso é uma grande farsa. E esta dívida artificial está sendo usava como justificativa para todas essas contrarreformas”, disse ela em sessão no Senado Federal em fevereiro do ano passado.

Famílias brasileiras vão perder com o golpe da reforma da Previdência

Mas não será somente no artigo que beneficia a classe política que o trabalhador perderá. Ao contrário do que  Michel Temer apresentou às colegas de trabalho de Silvio Santos em recente aparição no programa dominical do SBT, a reforma não traz nenhum benefício ao trabalhador que se aposenta ou mesmo que deixa pensão para a família depois que morre. Pelo contrário.

A reforma representará um golpe fatal no orçamento de milhões de famílias brasileiras. Tomemos, por exemplo, um casal de aposentados. Se um deles morrer, o outro não terá direito à pensão para complementar a renda da família. Os orçamentos familiares serão reduzidos à metade, deixando viúvas e viúvos à míngua – mesmo depois de tantos anos de contribuição compulsória. “Obscenidade plena”, avalia o professor Oliveira. “Na prática, as despesas continuam as mesmas, aluguel, condomínio, IPTU, tudo. O casal pagou por duas contribuições distintas – uma paga pelo marido e outra pela mulher -, mas somente se resgatará uma delas. Não vejo justiça social nisso”, alerta.

A reforma prevê, por exemplo, o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Os homens que tinham o direito de se aposentar depois de 35 anos de contribuição – e as mulheres com 30 – simplesmente não mais terão esse direito. “Isso significa dizer que, se um homem começar a trabalhar aos 16 anos, somente irá se aposentar aos 65 anos. E uma mulher aos 62. Serão praticamente 50 anos trabalhando. E o pior vem agora. Quando chegar aos 65, ele não se aposentará. Sabe por quê? Porque, daqui até lá valerá, um artifício instalado no texto da reforma. Uma coisa chamada ‘gatilho de idade’. Assim, à medida que se elevar a expectativa de vida do cidadão, aumentará também a idade para se aposentar. Isso quer dizer que, à medida que a expectativa de vida aumenta, o trabalhador ficará cada vez mais distante de sua aposentadoria. Esse gatilho automático faz com que o limite de idade para deixar o mercado de trabalho aumente com o passar dos anos”, explica o professor. Isso em um país que não abre espaço para que idosos consigam emprego.

Perdem professores, trabalhadores rurais e quem já se aposentou

Para o trabalhador rural, continuará a idade mínima de 60 anos para homens e 55 para mulheres. Mas eles deverão comprovar pelo menos 15 anos de contribuição num segmento pra lá de informal e onde se observa ainda a exploração do trabalho escravo – até mesmo por empresas de nobres senadores e deputados.

Os professores, por sua vez, não foram esquecidos pela foice de Michel Temer e sua tropa de choque. A idade mínima para deixar de lecionar passa a ser de 60 anos para ambos os sexos. Até agora, uma professora que começasse a dar aulas aos 20 anos se aposentaria com 25 anos de tempo de serviço e o professor, com 30 anos. Se a reforma for aprovada, eles terão de trabalhar cerca de 40 anos.

Já o servidor público que exercer outra atividade numa empresa privada – mesmo contribuindo para a Previdência sobre os dois ganhos -, quando morrer, a mulher dele não terá direito às duas pensões, mas somente a uma. “O marido dela contribuiu para dois regimes, mas ela só vai poder ficar com uma pensão”, explica Oliveira.

Mas o pacote de maldades não termina por aí. O critério de cálculo também vai mudar. Para pior, claro. Hoje, um homem que busca se aposentar aos 65 anos – com o mínimo de 15 anos de contribuição – se aposentaria com 85% do benefício. Com a reforma, ele se aposentará com 60% do valor, amargando expressiva perda. Em outras palavras, para conseguir 100%, o brasileiro deve se preparar para trabalhar – e contribuir – por, pelo menos, 40 anos ininterruptos. Os trabalhadores que atuam na informalidade estão perdidos.

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