Grande exportador de armas de pequeno porte, Brasil pensa em flexibilizar Estatuto do Desarmamento

Posição do Brasil no mercado mundial de armas, força do lobby armamentista e insegurança no país alimentam o debate sobre a flexibilização do estatuto

Grande exportador de armas de pequeno porte, Brasil pensa em flexibilizar Estatuto do Desarmamento
Corre no Senado um projeto de lei que visa flexibilizar o estatuto (Foto: Pixabay)
 Por Leandro Aguiar

O Brasil é um dos maiores produtores de armas de fogo de pequeno porte do mundo, num mercado que movimenta, globalmente, cerca de 8,5 bilhões de dólares – considerando apenas as transações legais, que, para especialistas do Instituto Igarapé, ONG que busca soluções nas áreas de segurança e drogas, trata-se apenas da ponta do iceberg do mercado total. Nos últimos cinco anos, fomos o segundo país que mais enviou armas desse tipo para os EUA. Foram aproximadamente 3,5 milhões de revólveres, conforme dados do Escritório de Álcool, Tabaco, Armas de fogo e Explosivos dos Estados Unidos (ATF, na sigla em inglês).

Não por menos, em um ranking elaborado pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) do Brasil, empresas do setor, como a gigante Forja Taurus, surgem entre as 300 maiores exportadoras do país em lista encabeçada pela Vale, Embraer e Petrobras. Sozinha, a Taurus movimentou mais de R$ 300 milhões apenas em 2016.

Tanto potencial de mercado fez com que o setor merecesse inclusive uma linha bilionária de crédito do BNDES – a indústria de defesa responde, afinal, por 3,7% do PIB brasileiro.

O que parece um bom negócio, contudo, esbarra em implicações de ordens ética, moral e de planejamento. Mais de 200 mil pessoas são assassinadas por ano no mundo vítimas de armas de fogo – e a América Latina, embora concentre apenas 8% da população mundial, é palco de um terço desses homicídios.

Além disso, uma investigação do Ministério Público brasileiro, conforme noticiou o Instituto Igarapé, encontrou evidências de que a Taurus vem fornecendo armas para contrabandistas em regiões de conflitos e com histórico de desrespeito aos direitos humanos. Dois executivos da empresa respondem a acusações por enviar armas para traficantes no Iêmen, que desde 2015 vive uma sangrenta guerra civil. As investigações correm em sigilo de Justiça, e a empresa se diz interessada em “esclarecer os fatos”.

Estatuto do Desarmamento

A posição ocupada pelo Brasil no mercado mundial de armas, a força do lobby armamentista e a situação de insegurança no país vêm alimentando uma discussão antiga: seria conveniente flexibilizar o Estatuto do Desarmamento?

Em vigor desde 2003, o estatuto dificultou o acesso do cidadão comum às armas de fogo. Desde então, a lei tem sido alvo de controvérsias: seus opositores dizem que ela restringe o direito do cidadão de se proteger, enquanto deixa nas mãos de bandidos e do Estado as armas; os que são a favor do estatuto, por sua vez, apontam estatísticas que mostram a diminuição da tendência de alta das mortes por armas de fogo após a aprovação da lei em relação à década anterior.

O fato é que já corre no Senado um projeto de lei, de autoria do senador Wilder Morais (PP-GO), que visa flexibilizar o estatuto. Para o senador, “não são as armas que matam as pessoas, mas sim o próprio ser humano”. Partindo dessa argumentação, e lembrando que no Brasil se morre mais por armas de fogo que nos EUA, onde a legislação é mais permissiva, Morais propõe, entre outras mudanças, reduzir a idade mínima para se comprar armas de 25 para 18 anos de idade.

Mas, será que mais armas significa mais segurança? Atualmente, estima-se que existam 875 milhões de armas no mundo. Deste total, 73% encontram-se nas mãos de civis, e apenas 23% pertencem aos militares. Nos EUA, apontado pelos liberacionistas como exemplo a ser seguido, estimativas apontam a existência de 270 milhões de armas de fogo – quase uma arma por pessoa. Lá, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é de 5,6 – a brasileira atinge impressionantes 23,5. Se isso parece corroborar o argumento armamentista, contudo, outros dados vão em direção contrária: na Inglaterra, por exemplo, onde a legislação dificulta o acesso às armas, a taxa é de 1,7 homicídios por 100 mil habitantes.

O certo é que a legislação sobre as armas não pode ser vista como fator único na análise de homicídios em um país: há de se levar em conta uma série de fatores econômicos, sociais, culturais, entre outros. Qualquer argumento que relacione exclusivamente a permissão ou não de se portar armas com o número de assassinatos do país é, portanto, superficial.

Estudos mais aprofundados, contudo, parecem jogar por terra a ideia de que mais armas significam mais segurança. Um estudo do pesquisador Daniel Cerqueira, responsável pelo Atlas da Violência e vencedor do prêmio do BNDES de melhor tese de doutorado, debruça-se sobre as microrregiões brasileiras buscando as causas de violência e morte em cada localidade.

O pesquisador destacou, em entrevista à Agência Pública, as principais conclusões de seu trabalho. De acordo com Cerqueira, há inequívoca relação entre armas de fogo e a taxa de homicídio: um aumento de 1% no número de armas faz subir 2% a taxa de assassinatos.

Cerqueira também discorda de quem diz que não há dados que comprovem a redução dos índices de violência após o Estatuto do Desarmamento. O Atlas da Violência, reporta à Pública, mostra “redução no índice de homicídios no Brasil em pelo menos cinco ocasiões: de 2003 para 2004, de 2004 para 2005, de 2006 para 2007, de 2010 para 2011 e de 2014 para 2015. Entre 2014 e 2015, último ano que o Atlas abrange, a queda foi de 2,3%”.

Outros estudos, estes norte-americanos, incluindo artigos do FBI, sugerem que o cidadão que compra uma arma tem mais chances de usá-la contra um ente querido, vê-la usada contra si ou cometer suicídio com ela do que usá-la para se proteger de criminosos.

Seja como for, a maioria da população brasileira segue contrária a ideia do senador Wilder. De acordo com levantamento recente divulgado pelo Datafolha, 56% dos brasileiros rejeita alterar o Estatuto do Desarmamento.

fonte:O&N

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *