A história secreta da família da Vinci

Professor da Universidade de Oxford revela em novo livro a misteriosa identidade da mãe de Leonardo, órfã seduzida aos 15 anos por um advogado rico que foi obrigada a se casar com um fazendeiro e passou a vida na pobreza

Crédito: Divulgação

Por Raul Montenegro

Numa noite quente de verão, o jovem e promissor advogado Ser Piero da Vinci, então com 25 anos, conheceu a menina Caterina di Meo Lippi, de apenas 15. Apesar de seus lares estarem separados por pouco mais de um quilômetro, os dois viviam em mundos completamente diferentes. De família rica, ele começava uma brilhante carreira no Direito. Ela, que já havia perdido os pais, era pobre, morava na casa de uma avó e cuidava do irmão mais novo. As diferenças não impediram que os dois dormissem juntos, concebendo um dos maiores gênios da história: o pintor e inventor renascentista Leonardo da Vinci (1452 – 1519).

O que aconteceu naquela noite e a forma como a família paterna acobertou o caso são revelados no livro “Mona Lisa: The People and the Painting” (Mona Lisa: As Pessoas e a Pintura), que acaba de ser lançado em inglês. “Ser Piero se aproveitou de uma mulher que estava numa situação terrível”, disse à ISTOÉ Martin Kemp, professor de história da arte na Universidade de Oxford e um dos maiores especialistas do mundo na obra de Leonardo.

“Caterina era bastante vulnerável e provavelmente acreditou nas promessas de um homem esperto que não pretendia cumpri-las”. Ser Piero estava prestes a se casar com outra mulher e usou parte de sua fortuna como dote para o casamento de Caterina com um fazendeiro de poucas posses.

Segundo Kemp, situações assim eram comuns no período e o caso não foi tratado como vergonhoso pelo clã da Vinci. Leonardo foi batizado num domingo, dia de maior prestígio, e apadrinhado por membros da alta sociedade. Criado na casa do avô paterno, o jovem que se tornaria mestre das artes começou ali a desenvolver seus talentos — e o resto da história já se tornou bastante conhecida.

A identidade de Caterina é que permanecia um mistério. Antes de ser desvendada, especulava-se que ela poderia ter sido escrava africana ou oriental. Para o professor de Oxford, tal hipótese é “absurda”.

Orgia de freiras

Por viver boa parte do tempo em Florença, enquanto Leonardo permanecia em Vinci, Ser Piero foi um tanto ausente na criação do filho. Ainda assim, coube a ele apresentar ao pintor sua mais famosa modelo, a Mona Lisa. Pertencente à velha nobreza falida, Lisa del Giocondo se casou com o comerciante Francesco, então cliente de Ser Piero.

Antes conhecido como um pacato vendedor de seda, Francesco revelou-se na pesquisa de Kemp um operador oportunista e inescrupuloso, negociando qualquer coisa que lhe desse dinheiro: couro da Irlanda, açúcar da ilha da Madeira e até escravos. Outra personagem aparece no livro com seu próprio escândalo sexual: uma irmã da Mona Lisa que era freira foi flagrada em uma orgia no convento com outras duas religiosas vestidas de noivas.

A obra livro revela ainda o que aconteceu com a mãe de Leonardo após a fatídica noite de amor. Ela continuou vivendo nas cercanias da cidade e teve outros quatro filhos. No fim da vida, foi acolhida por Leonardo em Milão. Com a saúde deteriorada, Caterina recebeu os cuidados finais do já famoso pintor. Ele fez questão de pagar pelo funeral da mãe. “Temos aí uma conclusão bacana, uma história romântica”, diz Kemp.

O verdadeiro berço de Leonardo

A poucos quilômetros de Vinci, na Itália, fica uma casa conhecida como o “berço de Leonardo”. Espécie de museu multimídia, o lugar se autoproclama como a residência em que o artista veio ao mundo — mas sua reputação pode ruir após as revelações do livro de Martin Kemp.

Documentos antigos, incluindo a certidão de nascimento de Leonardo, levam a crer que o imóvel da foto ao lado é o verdadeiro local em que o pintor nasceu: a casa do avô paterno. A residência já não guarda quase nada do período renascentista, mas pode se tornar a nova meca de visitantes ávidos pelas origens do gênio.

 

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