O anúncio do rompimento político do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com a presidente Dilma Rousseff, pode ser mais um indício do crescimento de uma crise no governo, com consequências sérias para os poderes Legislativo e Executivo. Deputados e cientistas políticos avaliaram o impacto da decisão de Cunha para o futuro político do país, segundo análise deste sábado do site www.veja.com.br
O editor também conversou com politicólogos e políticos gaúchos sobre a crise, mas todos consideram que o governo resultou fortalecido com a desgraça de Eduardo Cunha, embora nem por isto possa cantar vitória, porque seus problemas são muito piores do que aqueles que passou a enfrentar o presidente da Câmara.
Leia a análise de Veja:
Parlamentares da oposição se mostram cuidadosos com o fato, evitando comemorações e levantando um alerta. “Defendo que a oposição nesse momento se fortalece, mas o mais relevante é preservar as instituições democráticas. Leio [o rompimento de Cunha] como agravamento profundo da crise política e institucional”, disse o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).
“Antes do Eduardo, o governo tinha controle absoluto da pauta da Câmara. Ele teve coragem de pôr em votação projetos com 10, 15 anos de criação, mas sempre teve trabalho para se colocar como base aliada. Agora com o rompimento, vai agravar essa relação da Câmara com o governo”, analisou Izalci Lucas (PSDB-DF). “Mas não vamos [o partido] entrar nessa briga dele com o Planalto”.
Deputados de “terceira via” entenderam que o anúncio de Cunha apenas formaliza uma postura de oposição ao governo que ele já adotava extraoficialmente e que as denúncias que o envolvem na Lava Jato são graves e comprometem seu trabalho à frente da Câmara. Ele é acusado pelo lobista Júlio Camargo de receber propina de US$ 5 milhões.
“É mais uma declaração retórica e de cunho pessoal, uma fala de mágico que esconde o baralho para desviar o foco, em vez de tratar da propina, de querer acareação”, disse Chico Alencar (PSOL-RJ). “Ele tem articulação mas está fragilizado. Deveria se afastar do cargo até se esclarecer tudo”.
Para Luiza Erundina (PSB-SP), a gestão do presidente da Câmara demonstrou que os partidos estão rachados, pois o apoio a Cunha não vem do governo ou da oposição, mas sim das bancadas conservadoras. Cunha encabeçou o grupo de dissidentes da base aliada que se rebelou contra o Planalto em 2014, o chamado “blocão”.
“A disputa pra presidente da Câmara trouxe problemas na relação entre partidos e parlamentares e na relação destes com o Executivo. É um quadro que exige uma solução mais estrutural e a rearticulação dos partidos, tendo como preocupação a normalidade da democracia”, disse a deputada.
Alguns parlamentares do PT foram procurados pela reportagem, mas afirmaram que não responderiam à questão até que o líder do partido na Câmara, Sibá Machado (PT-AC), se manifestasse sobre o tema.
O professor em Mudança Social e Participação Política da USP (Universidade de São Paulo), Dennis de Oliveira, entende o momento político atual traz um “vácuo de lideranças”. “O governo Dilma está em situação complicada, o Cunha agora está nesse barco também. Eles estão perdendo o protagonismo, e isso pode ser indício da necessidade de renovação política”.
“É a primeira vez que vejo um presidente da Câmara tão independente. Ele coloca em discussão projetos que não são de interesse do Executivo”, disse o cientista político Antônio Flávio Testa, em entrevista à “Agência Brasil”. Para ele, Cunha de fato pode ser capaz de iniciar o processo de impeachment da presidente Dilma. Por outro lado, entende que as denúncias contra ele na Operação Lava Jato são “muito negativas, porque, dentro do próprio PMDB, não há um consenso sobre sua atuação”.
Christopher Garman, diretor de Pesquisa da consultoria de risco político Eurásia, afirma que para a maior parte do PMDB ainda “é útil” manter a aliança com o governo enquanto o foco das investigações da Lava Jato continuar principalmente no PT. Crê que o risco maior de a crise política se agravar é caso as investigações cheguem de fato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Todos temem as repercussões desse cenário. Lula perdeu capital político, mas ainda detém 30% do eleitorado”, disse.