Em PE, mestres na arte do couro ensinam ofício aos filhos

Em Salgueiro, Zé do Mestre repassa os ensinamentos ao filho. Já em Ouricuri, mestre Aprígio e o filho Romildo trabalham juntos.

A tradição da fabricação de peças em couro é o tema do Espaço Pernambuco neste sábado (23). Mestres ensinaram a arte aos filhos, que hoje assumiram a produção.

Em Salgueiro, no Sertão, é possível encontrar chapéus de várias cores e tamanhos, cintos, arreios para os cavalos… “É tradição velha, mas sempre a pessoa compra. Agora tá meio fraco porque a crise tá grande no país. É uma coisa que sempre a pessoa vende”, afirma o comerciante Adalberto Alves da Silva. “As peças que eu faço, o couro é daqui mesmo, eu mando curtir ou já compro curtido. Faço uma peneira, um gibão, faço um arreio de sela, peitoral, cabeçalho, eu faço tudo. Cubro uma sela”, conta o agricultor Antônio Pedro da Silva.

Um vaqueiro não demora muito para escolher a roupa para o trabalho. “A sola não é fina. é bem tratada, é um couro bem tratado e atende a sua função correta, de me proteger quando for entrar no mato”, explica Eduardo Oswaldo de Souza Silva, vaqueiro.

Na Fazenda Cacimbinha, a 14 quilômetros do centro de Salgueiro, vive um talentoso artesão da região. Zé do Mestre, 83 anos, dedicou mais de 70 anos à arte do couro. Agora, está aposentado e lembra com saudade do momento em que conheceu um dos clientes mais ilustres: Luiz Gonzaga.

Ele se aproximou do artista em Salgueiro – na festa do Gado e na Missa do Vaqueiro. Como não tinha onde dormir, recebeu de Gonzagão o convite para se juntar à comitiva e partilhar refeição e pouso – redes armadas sob um umbuzeiro dentro da caatinga. “Um negócio desse – se tivesse sido filmado – que pedaço de história, que dava até canção pra ele cantar’”, recorda. “Luiz Gonzaga contou toda a história do Sertão: o jumento, o pássaro, o sabiá, o avião… Ele cantou foi tudo… Era ‘véio’ de uma garganta boa. Quando abriu para aboiar, pra cantar…. Foi que a gente veio”, afirma, lembran do que os amigos continuaram fazendo a festa em Exu que o Rei do Baião costumava promover.

Zé do Mestre é só elogios para o Nordeste. “Meu traje é a perneira, o chapéu e o gibão. Sou feliz por ser vaqueiro, poeta e artesão”, declara. Para manter a tradição na família, o filho Irineu herdou a vocação para trabalhar no ateliê. “Eu posso dizer que hoje me sinto realizado”, garante Irineu. Ele diz que a felicidade maior é fazer um terno de couro ou um gibão para um artista seguidor de Luiz Gonzaga, como Flávio Leandro, Jorge de Altinho ou Alcymar Monteiro. “Era o que mais eu tinha vontade de ver mesmo, deixar um seguidor”, conta Zé do Mestre.

Um dos clientes é o cantor Danilo Pernambucano. “É com sanfona que toco. É com chapéu que me abano. É com forró que me afino. É com Sertão que me irmano. É gonzagão meu rei. Eu fui e serei Danilo Pernambucano”, declama.

Em Ouricuri, a reportagem encontrou o mestre Aprígio e o filho dele, Romildo. Em uma rua do centro da cidade uma placa indica onde funciona o ateliê do mestre. Ele tem orgulho em exibir pelas paredes as fotos que contam a história do artesão que começou a trabalhar aos 24 anos de idade. Já são quase 50 anos de profissão e criatividade produzindo bolsas de couro, chapéus e gibãos personalizados.

Entre tantos clientes que já encomendavam um chapéu ou um gibão, o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, se tornou também um amigo. “Eu conversei com ele e tal. Ele me convidou para trabalhar num terno de couro pra ele. Quando ele voltou para o rio com esse terno, era um sufoco danado, o pessoal tirando foto. Era muito aplaudido com aquela roupa diferente. Daí eu fiquei trabalhando pra ele e pros fãs que gostavam de artigos de couro”, relata.

Hoje, sete pessoas ajudam o mestre Aprigio na oficina. Romildo, um dos filhos, acompanha de perto o trabalho do pai. Já são 28 anos dividindo conhecimento, oficina e clientes. Romildo ajuda a administrar o ateliê e também a pesquisar a história da música e do Sertão. Nos livros, encontra inspiração para recriar peças que foram usadas por Luiz Gonzaga no início da década de 40 durante os shows no Rio de Janeiro. Algumas peças estão expostas no museu Cais do Sertão, no Recife. Outros trabalhos foram parar no cinema.

Para Romildo, vestir uma peça desta é algo que vai além da beleza: gera emprego e renda. “Eu acho que quem tá dentro de uma linha de trabalho, ele tem que estar pensando sempre em coisas que lhe cercam… Não só sua música, mas tudo aquilo que lhe rodeia a partir do artesanato, da culinária e outras coisas mais que enaltecem a grande carruagem da cultura popular nordestina”, filosofa.

fonte:g1pernambuco

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